Decano vota em favor dos direitos do cidadão e do contribuinte

17/08/2009 14:20 - Atualizado há 9 meses atrás

No ano passado, 67 mil processos chegaram ao Supremo, sendo a maioria deles Agravos de Instrumento, Recursos Extraordinários e Habeas Corpus. Assim que entram no protocolo, eles são distribuídos aos 11 ministros. Entre eles, Celso de Mello, o mais antigo da Corte (decano), em cujo gabinete estão cerca de 5,8 mil processos dos 106,8 mil que tramitam no STF.

O Anuário da Justiça 2009 destaca que o decano costuma examinar pedidos de liminar em tempo recorde. A publicação identifica o ministro como “intransigente defensor das garantias e liberdades individuais”, e comandante da “guerra jurídica pelo respeito ao devido processo legal”.

Os votos redigidos pelo ministro Celso de Mello, fundamentados na doutrina e filosofia do Direito, muitas vezes são apresentados em textos com mais de 50 páginas, elaboradas por ele mesmo durante as madrugadas – seu horário preferido de trabalho. Suas características ao julgar, segundo o Anuário, são a busca de abordagens e de soluções inovadoras com ênfase na tese jurídica, e a tendência de levar em consideração o setor privado e os interesses do cidadão/contribuintes, muitas vezes em detrimento do poder público e do Estado.

Ele também é favorável à recepção automática, no nível de emenda constitucional, dos tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil. Em outro caso, foi o relator da ação que definiu que um político só pode ter candidatura negada por maus antecedentes criminais se a sentença que o condena tiver transitado em julgado, por respeito ao princípio da presunção da inocência.

Alguns dos casos recentes em que a relatoria do ministro Celso de Mello foi importante para definir a votação da Corte e que entraram para a história do Brasil foram:

RE 436996 e AI 671274 – matrículas em creches e pré-escola
Com fundamento em dispositivos da Constituição Federal (artigos 205, 208 e 227), o ministro Celso de Mello votou no sentido de que é obrigação dos municípios cuidar da educação de criança de até cinco anos de idade, em creches e pré-escolas. O tribunal decidiu como sendo dever do Estado garantir à criança de zero a seis anos de idade o acesso à creche e ao ensino fundamental, independentemente da oportunidade e conveniência do poder público.

RE 271286 – Fornecimento de medicamento para tratamento da AIDS

No julgamento em que um paciente portador de HIV sem recursos financeiros pedia a distribuição gratuita de remédios, o voto do ministro, que prevaleceu no Plenário, reconheceu o dever constitucional do poder público de garantir o direito à saúde como conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. Na decisão, ficou acertado que cabe ao poder público formular e adotar políticas sociais e econômicas para dar aos cidadãos acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

STA 223 – Custeio de cirurgia (relator para acórdão)

O julgamento dizia respeito ao custeio da cirurgia, pelo estado de Pernambuco, de um tetraplégico que precisava de um marcapasso para voltar a respirar sozinho. Ele perdeu parte das capacidades de se locomover e de respirar quando foi agredido num assalto ocorrido em via pública, que deveria ter a segurança pública garantida pelo poder público. A relatora da Suspensão de Tutela Antecipada (STA), ministra Ellen Gracie, votou pelo indeferimento do pedido dizendo que uma determinação para que o estado de Pernambuco pagasse todas as despesas necessárias à realização da cirurgia acarretaria grave lesão à ordem pública. Além disso, ela disse que o procedimento cirúrgico era incipiente, de custo elevado, ainda em fase experimental e fora do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS).

A maioria do Plenário, contudo, acompanhou o voto divergente do ministro Celso de Mello. Ele entendeu que o recurso deveria ser provido a fim de manter o ato quanto à obrigação de prestar o tratamento. Segundo ele, houve omissão por parte dos agentes públicos na adoção de medidas efetivas para evitar o crime. “O direito à saúde e o direito à vida são bens, são valores essenciais que devem ser preservados pela autoridade pública”. A imprensa local noticiou a realização e, posteriormente, o sucesso da cirurgia.

RE 495740 – Indenização do governo do DF por contaminação

O julgamento ganhou notoriedade porque, ao expor o caso na Segunda Turma, o ministro se emocionou ao relatar o estado da vítima – um menino de nove anos com paralisia cerebral, cegueira, malformação encefálica, epilepsia e tetraplegia. No recurso, o governo do DF contestava decisão monocrática de Celso de Mello, que julgou procedente ação de indenização civil proposta pela mãe, servidora da Secretaria de Saúde cujo filho teve malformação em virtude do citomegalovírus adquirido por ela na gravidez, durante o trabalho que exercia em hospital público. Como resultado do julgamento, a mãe recebe dois salários-mínimos mensais por toda a vida do menor e o equivalente a 80 salários-mínimos de indenização.

ADI 3345 – Número de vereadores

Em agosto de 2005, o Supremo julgou improcedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3345 e 3365. Elas questionavam os critérios estabelecidos pela Resolução 21.702/04, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que reajustou o número de vereadores nos municípios brasileiros. O relator, Celso de Mello, entendeu que o TSE apenas expandiu “a uma interpretação constitucional que, emanada do Supremo, definiu o exato alcance e o preciso significado da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal”.

AI 650743 – Sentença arbitral

Nesse caso, Celso de Mello arquivou o Agravo de Instrumento (AI 650743) pelo qual a Têxtil União S/A tentava fazer chegar ao Supremo um Recurso Extraordinário contra homologação de sentença estrangeira, feita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A sentença obrigava a Têxtil União S/A a pagar mais de US$ 900 mil à empresa suíça L’Aiglon S/A, por conta do descumprimento parcial de contrato de compra e venda de algodão cru. O relator lembrou que a Emenda Constitucional 45/04 delegou a competência originária para julgar pedidos de homologação de sentença estrangeira, que era do STF, ao  STJ. Além disso, para verificar a procedência das alegações da empresa brasileira seria necessário o reexame de fatos e provas, o que não é cabível em Recurso Extraordinário.

Ext 855 – Norambuena: crime político x terrorismo

Em 26 de agosto de 2004, o Plenário do Supremo concedeu a extradição (Ext 855) de Maurício Hernández Norambuena, com a condição de o Chile trocar as duas penas de prisão perpétua a ele impostas naquele país, por pena de prisão temporária de, no máximo, 30 anos, em respeito à vedação constitucional de prisão perpétua no Brasil. O julgamento foi relatado pelo ministro Celso de Mello e representou uma mudança de entendimento em boa parte das extradições, porque a partir dele o Supremo passou a permitir a entrega dos condenados à prisão perpétua ou pena de morte com a ressalva de que a pena seja modificada para ter correspondência com a lei penal brasileira. Antes desse julgamento, os condenados simplesmente não eram entregues. Ao deferir o pedido de extradição do Chile, o ministro Celso de Mello afastou a hipótese de motivação política dos crimes cometidos por Norambuena: para ele, foram crimes comuns.

MG/LF

* Publicação especial produzida pela Coordenadoria de Imprensa do STF.

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