Críticos e defensores da sistemática de transição da TV analógica para a digital se manifestam no STF
Defensores e opositores dos procedimentos adotados pelo governo brasileiro para operar a transição do sistema analógico para o digital de transmissão de sons e imagens, que inclui a televisão, revezaram-se, nesta quinta-feira (5), na tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF), durante o julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3944.
Nesta ação, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questiona essa transição, impugnando os artigos 7º a 10 do Decreto nº 5.820/2006, que dispõe sobre a implantação do sistema brasileiro de TV digital (SBTVD-T) e estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão.
Em linhas gerais, o PSOL sustenta que se trata de novas concessões, pois as emissoras de rádio e TV já existentes receberam, cada uma, um canal adicional, para TV digital, o que demandaria uma licitação, conforme previsto no artigo 175 da Constituição Federal (CF).
Por outro lado, o fato de acordo firmado entre Brasil e Japão, por meio de um memorando de entendimento, para adoção do sistema japonês de TV digital no Brasil, combinado com tecnologia brasileira, ofenderia o disposto no artigo 49, inciso I, da CF, porquanto esse acordo não foi aprovado. Ainda estaria sendo ofendido, também, o artigo 223, parágrafo 1º, que sujeita a concessão de novos canais de rádio e TV à prévia aprovação pelo Legislativo. Além disso, estaria havendo uma agravamento da concentração dos meios de comunicação, ferindo-se, com isso, o disposto no artigo 220, caput (cabeça), que veda qualquer restrição à livre manifestação do pensamento, à criação e à informação.
Amici curiae apoiam pretensão do PSOL
Depois de o advogado André Brandão, do PSOL, reforçar os argumentos contra os dispositivos do Decreto 5.820/2006 por ele impugnados, diversos amici curiae (amigos da corte) endossaram a pretensão do partido, pedindo o provimento da ADI.
A advogada Heloísa Machado de Almeida, representando o amici curiae Intervozes, Conecta e Instituto Pro Bono, endossou a reclamação de licitação e a necessidade de prévia consulta ao Congresso Nacional. Segundo ela, os serviços de telecomunicações são um bem público, e sua outorga não poderia ocorrer sem licitação.
Em sustentação da tese de que se trata de novos canais, ela observou que uma emissora de radiodifusão com outorga para transmissões durante 24 horas pelo sistema analógico, seguindo a lei, incluindo programas culturais etc, com a frequência em banda larga digital de 6 megaHertz, poderá ampliar o tempo de transmissões para 192 horas de programação. “O decreto não considera a multiprogramação”, observou a advogada. Então, segundo ela, ou uma lei tem que criar esse novo espaço, ou então a legislação está sendo desrespeitada.
AGU, ABERT e ABRAS defendem o sistema
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse, em defesa do Decreto 5.820/2006 e da sistemática de transição adotado, que, na verdade, não se trata de novas concessões, mas sim da transição para um sistema tecnologicamente mais evoluído. Segundo ele, os canais analógicos terão que ser devolvidos à União, em 2016, dentro do prazo de dez anos estabelecido pelo decreto. Isso porque canal adicional é necessário apenas para esse período de transição.
Ele lembrou, ainda, que as concessões de TV digital também são em banda de 6 megaHertz. O novo sistema, como observou, apenas permite a transmissão de um maior número de dados.
“Não se alterou o conceito de radiodifusão”, afirmou Adams. “Não é nova outorga. O decreto apenas regulou a transição.” E isso, como afirmou, não beneficiou somente as emissoras. Beneficiou também o público, porque a transmissão continuará livre e sem ônus, a exemplo do que ocorre hoje, mas com qualidade superior.
Ele também contestou o argumento de agravamento da situação monopolística. “O Decreto 5.820 manteve o mesmo panorama comercial”, argumentou. “Se não havia oligopólio antes, não há razão para crer que agora haverá”. Ele observou, a propósito, que a Portaria 24/09 disponibilizou de 60 a 68 canais exclusivamente para a TV pública digital, possibilitando a ampliação do número de emissoras
Abert e Abras
Os advogados da Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abras) defenderam a sistemática de transição adotada pelo governo. Para o representante da Abert, Marcelo Carpenter, o decreto impugnado pelo PSOL trata do mesmo serviço de radiodifusão disponível atualmente, só que mais moderno.
Também segundo ele, não há novas concessões ou outorgas. Quanto à alegação de formação de oligopólio, ele disse que o mercado atual é bastante competitivo, e apresenta uma forte concorrência. Exemplificou com a disputa pelos direitos de transmissão dos jogos da Copa do Mundo de futebol ou das Olimpíadas. Portanto, observou, não existe esse risco, e o decreto não muda isso.
Ele disse que as empresas foram compelidas a migrar para um novo sistema e que o canal adicional foi necessário, pois a TV digital vai conviver com a analógica até 2016.
Ele afirmou, ainda, que o provimento da ADI ajuizada pelo PSOL representaria “um prejuízo gigantesco para as empresas”, que já investiram – e ainda estão investindo – em novos equipamentos, treinamento de pessoal e software. Também o seria para os consumidores, muitos dos quais já compraram aparelhos de TV adaptados à nova tecnologia.
“As regras de transição são as únicas possíveis”, afirmou. “Sua impugnação é a impugnação da TV digital.”
Também o representante da Abras, Alexandre Jobim, endossou o argumento de que a TV Digital não é um novo serviço e que, portanto, não há que se falar em nova outorga.
Quanto à adoção do sistema japonês, ele disse que ela foi precedida de longos estudos e debates e que, entre outras vantagens, o sistema adotado permite a recepção de imagens de alta definição de forma livre e gratuita para os brasileiros, diferente dos outros padrões estudados – europeu e americano.
Ele lembrou, também, que o sistema japonês está sendo adotado por diversos países da América Latina.
FK/CG