Controle de constitucionalidade no Paraguai é tema do Ciclo de Palestras do Bicentenário
O ministro da Corte Suprema de Justiça do Paraguai José Raul Torres Kirmser foi o palestrante no Ciclo de Palestras do projeto Bicentenário do Judiciário Independente no Brasil, evento promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Ciclo de Palestras prevê, a cada mês, encontros com representantes das cortes constitucionais dos países que influenciaram a formação do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil. Kirmser é doutor em Ciências Jurídicas e professor titular de Direito Mercantil da Faculdade de Direito e Ciências Sociais (UMA).
O ministro do STF Carlos Alberto Menezes Direito presidiu a mesa composta ainda pelo palestrante, ministro Torres Kirmser, pelo ministro Antonio Fretes, segundo vice-presidente da Corte paraguaia, e os advogados constitucionalistas Tércio Sampaio Ferraz Junior, professor titular da Universidade de São Paulo, e Walter Costa Porto, professor titular da Universidade de Brasília.
Na edição de setembro, com o tema do Ciclo de Palestras "A praxis do controle de constitucionalidade na atualidade", o ministro discorreu sobre o modelo adotado pelo Paraguai para a observância da Constituição do país.
O ministro e professor Torres Kirmser iniciou sua fala agradecendo o convite da presidente do STF, ministra Ellen Gracie, para que a Corte Suprema de Justiça do Paraguai participasse “de tão magno e grato acontecimento – o bicentenário do Judiciário independente, permitindo que o Paraguai se agregue ao genuíno e justificado júbilo daqueles que exercem a excelsa função de administrar Justiça neste país irmão com o qual nos unem múltiplos e firmes vínculos de amizade”.
A palestra
O ministro Kirmser, que é integrante da “Sala Civil” e responsável pela circunscrição de “Caaguazú y San Pedro” no país vizinho, discorreu primeiramente sobre o órgão competente para o exercício de constitucionalidade na República do Paraguai. Ele informou que o país adota o sistema de controle concentrado “em sua acepção mais pura”. Portanto, o único órgão judicial competente para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em geral, assim como de sentenças judiciais, é a Corte Suprema de Justiça, de acordo com os artigos 259, inciso VI e 260 da Constituição paraguaia. Dessa maneira, tanto o Plenário da Corte como a “sala constitucional” [sala constitucional, sala civil e sala penal] podem resolver sobre a inconstitucionalidade de leis e demais instrumentos normativos e decisões judiciais.
O ministro paraguaio explicou que um juiz, ao deparar-se com algum caso que necessite de amparo constitucional sobre alguma lei, decreto ou regimento, “deve remeter, no mesmo dia, os antecedentes do processo à sala constitucional da Corte Suprema de Justiça para que esta declare a inconstitucionalidade, com a brevidade possível, se a mesma surgir de forma manifesta”. A diligência em questão, completou Kirmser, não suspende o julgamento do caso, que deve prosseguir até o trâmite da sentença.
No caso de decisões emanadas do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral e dos jurados do Juizado de Magistrados a competência não é mais da “sala constitucional”, mas sim do Pleno da Corte Suprema. Segundo o ministro Kimser, isto se justifica porque as questões emanadas dessas duas instâncias têm uma transcendência institucional e relevância que merecem a análise pela mais alta Corte da República. Também é possível a ampliação da sala constitucional, quando solicitada por seus ministros, com a integração da totalidade dos membros da Corte para resolver qualquer questão de sua competência, seja ela de índole constitucional, civil ou penal.
Em seguida o ministro da Suprema Corte paraguaia detalhou as formas de controle de constitucionalidade, baseadas em duas vias: a via da “ação” e a via da “exceção”, que se somam aos mecanismos de “declaração de ofício” pela Corte Suprema de Justiça e pela “consulta constitucional”. Esses mecanismos estão regulamentados no Código Processual Civil e têm similaridade com nossas conhecidas ADI, ADC e ADPF [Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental].
O ministro Torres Kimser terminou a palestra citando sentenças relevantes da Corte Suprema de Justiça do Paraguai, como as de nºs 222 e 223, de 8 de maio de 2000 que provocaram diversas ações de inconstitucionalidade, postulando a declaração da inconstitucionalidade de uma artigo de lei “que estabelecia a recondução tácita do exercício das funções dos ministros da Corte quando não fossem nomeados seus sucessores”. Como se tratava de tema consagrado pela Constituição Nacional – a inamovibilidade dos ministros da Corte Suprema de Justiça [garantia constitucional concedida aos magistrados e membros do ministério público de não serem transferidos, salvo por relevante interesse público], a sentença “privou de eficácia jurídica uma disposição legal”. Apesar da decisão não ter sido utilizada, a não ser em casos verdadeiramente excepcionais, observadores estrangeiros a qualificaram de “ponto de inflexão” [mudança de orientação] da Corte paraguaia.
Debatedores
Ao comentar a palestra, o professor Tércio Sampaio Ferraz Junior traçou similaridades entre constituições européias, norte-americana, paraguaia e a brasileira. No momento da comemoração dos 200 anos, ele lembrou a tradição brasileira quando o controle da constitucionalidade “ganhou fundamentalmente o sentido de ‘bloqueio’ que vinha ao encontro de uma concepção política da sociedade da época, quando o indivíduo era ressaltado como elemento constitutivo fundamental”. Assim a ênfase foi dada à proteção dos direitos individuais frente ao Estado, que durou até o final do século XIX, quando começou a mudar de rumo buscando cada vez mais os “direitos sociais”, prevalecendo o direito da coletividade sobre o indivíduo.
O professor Walter Costa Porto traçou uma visão histórica do tema do controle da constitucionalidade no Brasil, mostrando sua evolução e estabelecendo os pontos de mutação de nossa Constituição nos períodos monárquico e republicano, este último com as peculiaridades próprias de 1891 (com base na separação de poderes). Antes exercida pelo chamado poder moderador, o controle de constitucionalidade passa à corte Suprema com a República. “A partir daí foi se aperfeiçoando e se ampliando em nosso país as possibilidades do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e dos demais atos normativos, cabendo efetivamente ao Judiciário de agora trazer, como tanto se almeja, colaboração decisiva ao nosso formato de país democrático, assegurando, como se diz no preâmbulo da Constituição, ‘uma sociedade fraterna, pluralista, fundada sobretudo na harmonia social’”.
O ministro Menezes Direito encerrou o evento agradecendo os palestrantes e acrescentando que ainda existe um universo inexplorado sobre o tema de controle constitucional, noção que vai se fechando cada vez mais sob a idéia da leitura moral da Constituição, para permitir que o controle se dê sob o ponto de vista da realização dos direitos humanos dentro de um processo social democrático. “A ministra Ellen Gracie teve essa feliz iniciativa, em nome da qual cumprimento os presentes”, concluiu.
IN/LF