Autoridades e especialistas discutem no STF incorporação de novas tecnologias em saúde
Judicialização do tema e desafios para garantir acesso à saúde foram pontos de destaque nas discussões.
O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, nesta segunda-feira (9), o seminário “Impactos da Incorporação de Novas Tecnologias em Saúde Pública”, com a participação de autoridades e especialistas do setor.
A abertura foi feita pelo ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário (RE) 1366243 (Tema 1234), que trata do tema. Ele destacou os desafios enfrentados e as soluções alcançadas ao longo das 23 sessões de conciliação sobre a incorporação de medicamentos e terapias de alto custo ao Sistema Único de Saúde. “Seja sob o ângulo da eficácia do medicamento, seja sob a forma de custeio nos autos e posterior ressarcimento entre os entes federativos, os membros da comissão especial perceberam que o tema merecia um rearranjo institucional”, afirmou.
A proposta final da comissão de conciliação, aprovada por unanimidade pelo Plenário do STF, prevê a criação de uma plataforma nacional de fácil consulta para centralizar demandas de acesso aos medicamentos, permitindo a análise e resolução administrativa e eventual controle judicial. A medida, segundo Mendes, permitirá o melhor acompanhamento dos processos, trará maior transparência e auxiliará a tomada de decisões mais eficiente pelo Judiciário.
O decano destacou que o movimento da Corte visa reduzir a judicialização, promover a eficiência do sistema e garantir o acesso equânime a medicamentos essenciais. “Foram estabelecidas regras claras sobre a competência dos entes federativos para fornecer medicamentos, os critérios para a incorporação de novos medicamentos no SUS e os limites de preços para os medicamentos adquiridos por meio de decisões judiciais”, assinalou.
“A implementação dos temas de repercussão geral e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde ainda exigirão de todos nós muito esforço e dedicação, mas o avanço já conquistado evidencia que é possível construir uma sociedade efetivamente mais justa, livre e solidária, capaz de prover a todos os cidadãos saúde e dignidade”, afirmou Mendes.
Complexidade
No encerramento do seminário, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou o papel do SUS como um dos maiores programas de inclusão social do mundo. Contudo, lembrou da complexidade que envolve o sistema e os desafios enfrentados. “Houve avanços importantes na ampliação do acesso à saúde para milhões de brasileiros, mas não podemos esquecer das dificuldades relacionadas ao financiamento, à gestão e à crescente demanda pelos serviços do SUS”, lembrou.
Barroso, relator do RE 566471 (Tema 6), se disse um defensor da judicialização dos direitos constitucionais em geral, mas reconheceu que esse é um grande problema na área da saúde. “A judicialização da saúde impõe desafios adicionais ao sistema, como a sobrecarga de recursos e a dificuldade de garantir a equidade no acesso aos serviços oferecidos”, concluiu.
Unificação
No primeiro painel do seminário, com o tema “Unificação das Análises de Incorporação dos Sistemas Público e Privado”, a médica Ludhmila Hajjar, professora titular de emergências da Universidade de São Paulo (USP), defendeu que a incorporação de novas tecnologias de tratamentos e medicamentos sejam feitas por uma agência única governamental. No modelo atual, os novos medicamentos passam por avaliações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
A proposta da médica é reunir essas agências, fortalecendo as discussões, a produção de evidência científica e a transferência de conhecimento. “Ao mesmo tempo, teremos maior poder de buscar uma precificação mais justa e por uma discussão mais adequada com a indústria farmacêutica”, afirmou.
O deputado federal Dr. Luizinho (PP/RJ) relatou as discussões no Legislativo em relação à saúde pública, como a questão orçamentária e a elaboração de um marco regulatório de saúde suplementar. Para ele, o grande desafio é garantir os preceitos básicos do SUS.
Ao aderir à ideia de Ludhmila Hajjar, o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Ribeiro, propôs que a aquisição seja feita integralmente pelo SUS. Assim, as operadoras de planos de saúde passariam a adquirir essas novas tecnologias diretamente do governo, e não da indústria farmacêutica, como ocorre atualmente.
O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico Industrial da Saúde do Ministério da Saúde, Carlos Augusto Gadelha, disse que, somente nos últimos dois anos, foram incorporados ao SUS 67 novos medicamentos para tratamentos de doenças crônicas e doenças raras.
O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Roberto Rebelo, ressaltou que, enquanto o SUS paga R$ 5,7 milhões com acordo de compartilhamento de risco em um medicamento como o Zolgensma, para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME), o sistema privado paga R$ 9,5 milhões sem acordo de compartilhamento de risco.
Precificação
O segundo painel tratou da “Precificação dos Medicamentos Conjuntamente com o Pedido de Registro na Anvisa”. Para o professor Daniel Wang, da Fundação Getúlio Vargas, o Supremo acerta ao deixar a palavra final sobre o registro de um novo medicamento com a Conitec, e não com o judiciário. Na sua avaliação, no caso de medicamentos que ainda não tenham evidências científicas é injusto deixar com a Justiça a decisão sobre seu uso.
De acordo com a conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Daiane Nogueira, 850 mil processos sobre questões relacionadas à saúde tramitam na Justiça atualmente, inclusive os que discutem preços de medicamentos. Em relação ao tema, o presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, Nelson Mussolini, disse que os preços cobrados no Brasil levam em conta os valores médios cobrados em nove países, mais o país produtor. No entanto, a carga tributária brasileira é de 30%, enquanto em outros países o imposto é zero.
A diretora da Segunda Diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Meiruze Sousa Freitas, explicou que a Anvisa estabelece todas as diretrizes pelas quais um medicamento deve passar antes de obter o registro no Brasil. A seu ver, embora existam vias aceleradas para o registro, o país ainda é conservador em relação a elas.
O último palestrante da manhã foi o Secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto. Ele disse que o Brasil foi pioneiro na política de precificação de medicamentos, mas reconheceu que a legislação, de 2003, está defasada.
Fomento e inovação
O primeiro painel da tarde teve como tema “Fomento de Inovação no Setor de Saúde”, e alguns especialistas falaram sobre a dificuldade do Estado de fornecer medicamentos de alto custo e a necessidade de maior investimento na indústria farmacêutica nacional.
Celso Pansera, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública de fomento à ciência, tecnologia e inovação vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), afirmou que a Finep tem investido significativamente na área, com o objetivo de fortalecer o SUS, impulsionar a indústria nacional e promover a inovação no setor. “Nossa atuação está alinhada com a política industrial do governo brasileiro, que busca recuperar a relevância da indústria de manufaturas e reduzir a dependência de importações no setor da saúde”, afirmou.
Vice-presidente da Rede D’or, Pablo Meneses abordou os altos custos dos medicamentos e os impactos na saúde pública e privada no Brasil. Segundo ele, é necessária uma ação conjunta entre governo, indústria farmacêutica, seguradoras e sociedade civil para garantir o acesso a esses medicamentos a preços mais justos. “Sugerimos algumas soluções para esse problema, como os acordos de compartilhamento de riscos, parcerias para o desenvolvimento produtivo, criação de uma agência única de regulação e um consórcio nacional de pesquisa clínica”.
O professor Denizar Vianna, titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tratou do desafio de equilibrar o acesso a medicamentos inovadores com o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento no setor farmacêutico. Na sua avaliação, o Brasil precisa de uma política de Estado para desenvolver tecnologias em saúde, especialmente no campo das terapias avançadas. “É importante aprendermos com as experiências de outros países, como o Reino Unido e os Estados Unidos, e a partir disso adaptar essas experiências à realidade brasileira”, defendeu.
Já para o diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), José Luis Gordon, o desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil passa diretamente por uma política pública industrial de inovação robusta que ajude a impulsionar o setor. “Essa política tem que ser de longo prazo, com foco em inovação, para fortalecer a produção nacional de medicamentos e reduzir a dependência de importações”, argumentou.
Desafios e perspectivas
“Desafios e Perspectivas da Unificação de Incorporação de medicamentos no Brasil” foi o tema do último painel, que teve a participação dos ministros Barroso e Gilmar Mendes, das ministras da Saúde, Nísia Trindade, e da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, e do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Nísia Trindade enfatizou a importância da colaboração entre órgãos e instituições para garantir o acesso a medicamentos e a sustentabilidade do SUS. Segundo ela, o Brasil obteve avanços importantes com as decisões do STF. “Nesse sentido, tem muita relevância a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) para a tomada de decisões sobre a incorporação de novos medicamentos no SUS. A garantia do acesso a medicamentos deve ser equilibrada com a sustentabilidade do sistema de saúde”, ponderou.
Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, defendeu o fortalecimento da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação para assegurar autonomia tecnológica e reduzir a dependência de importações de medicamentos e insumos para a saúde. “O Brasil precisa investir em ciência e tecnologia para garantir o acesso da população a medicamentos de qualidade e a preços justos. O desenvolvimento de novas tecnologias deve vir da colaboração entre os setores público e privado”, afirmou.
Essa ideia foi corroborada por Aloizio Mercadante. “A judicialização de medicamentos de alto custo é um sintoma da dependência tecnológica”, afirmou. “Para resolver esse problema, é necessário investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação no setor. Assim, reduziremos a vulnerabilidade a flutuações no mercado internacional, garantindo maior segurança no abastecimento interno”, concluiu.
(Paulo Roberto Netto, Iva Velloso e Jorge Macedo//CF)