Audiência pública: expositores da manhã discutem acordo de não persecução penal
Além do juiz das garantias, outros pontos do Pacote Anticrime são questionados em ações no STF.
No primeiro bloco de expositores desta terça-feira (26) na audiência pública para discutir a implementação do juiz das garantias e outros pontos do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da advocacia, da magistratura e de entidades da sociedade civil expuseram suas posições sobre o tema, objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, de relatoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.
Prerrogativa do MP
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), Fernando da Silva Comin, defendeu a inconstitucionalidade dos incisos III e IV do artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP), incluídos pelo Pacote Anticrime. Os dispositivos preveem que o juiz de execução deve indicar, em caso de acordo de não persecução penal, o local da prestação do serviço à comunidade e qual entidade deve receber a prestação pecuniária.
Na sua avaliação, as medidas invadem um espaço reservado às partes, usurpam as funções processuais reservadas a elas, afrontam o princípio da livre negociação e negam vigência ao princípio da imparcialidade do juiz. Ele aponta, ainda, que os dispositivos ferem a prerrogativa constitucional atribuída ao MP de titularidade da ação penal.
Independência funcional
Representando o MP-MA, os promotores Marco Aurélio Ramos Fonseca e Sandro Carvalho Lobato de Carvalho afirmaram que os parágrafos 5º, 7º e 8º do artigo 28-A do CPP, inseridos pela Pacote Anticrime, violam a imparcialidade do juiz e a independência funcional do Ministério Público. Os dispositivos estabelecem que o juiz poderá devolver os autos ao MP se considerar inadequadas as condições do acordo de não persecução penal e ainda recusar a proposta. A procuradora Maria Cotinha Bezerra Pereira, do MP-TO, também defendeu a inconstitucionalidade desses dispositivos.
Congestionamento
Representante do MP-MT, a promotora de Justiça Marcelle Rodrigues da Costa e Faria afirmou que o juiz das garantias irá aumentar o congestionamento da Justiça e onerar os cofres públicos numa época de crise social e econômica.
Para o promotor de Justiça de Minas Gerais Marcos Paulo de Souza Miranda, o Pacote Anticrime afronta princípios constitucionais na busca de uma postura mais imparcial dos juízes e de uma justiça penal negocial. Ele é coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, de Execução Penal, do Tribunal do Júri e da Auditoria Militar (Caocrim).
Barreira de contenção
Em nome da Defensoria Pública da União, Érica Hartmann ponderou que o juiz das garantias é mais uma importante barreira de contenção do poder punitivo estatal, pois dá mais transparência e isenção às medidas determinadas na etapa pré-processual. Para ela, o instituto irá favorecer os hipossuficientes, pois a atual estrutura da investigação criminal pouco permite a defesa técnica deles na investigação preliminar.
Imparcialidade
Pedro Paulo Lourival Carriello, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sustentou que o juiz das garantias vai assegurar um processo penal de qualidade, objetivamente imparcial, “em que a eficiência não seja símbolo de condenação e que a maior garantia processual não seja sinônimo de custo econômico ou de impunidade”.
Confissão
Integrante do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distritais nos Tribunais Superiores, Glauco Mazetto Tavares Moreira defendeu a inconstitucionalidade da previsão da confissão como requisito para a oferta do acordo de não persecução penal (artigo 28-A do CPP). A seu ver, a medida viola a presunção de inocência, não observa a dignidade da pessoa humana e afronta o princípio da proporcionalidade
Avanço civilizatório
Falando pela Associação Nacional da Advocacia Criminal, Bruno Espiñeira Lemos disse que o juiz das garantias é um avanço civilizatório urgente e fortalece a garantia jurisdicional. “Em uma democracia avançada, ele representa o essencial cuidado entre a aproximação probatória do juízo e a tendência gerada no campo psicológico”, sublinhou.
Orçamento
O representante do Instituto dos Advogados do Distrito Federal, Victor Minervino, assinalou que o juiz das garantias evitará injustiças, colocando o Brasil em ponto minimamente aceitável perante o mundo. Para ela, é possível adequar o orçamento do Judiciário para a medida. “O custo da injustiça é alarmante”, frisou.
Sem consenso
Walter Nunes da Silva Júnior, da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), ressaltou que não há consenso entre os magistrados sobre a criação do juiz das garantias. Ele defende que haja um tempo maior para a devida implementação no sistema de justiça criminal. “Seria prematuro instituir essa mudança sem um tempo adequado para discussão”, afirmou.
Outros países
Em nome do Instituto de Garantias Penais (IGP), o advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch defendeu que o juiz das garantias é fundamental na defesa do devido processo legal, da presunção da inocência e dos direitos fundamentais dos acusados na esfera criminal. Segundo ele, não se trata de uma invenção brasileira, pois a figura já foi adotada com sucesso em vários países, como Portugal, Espanha, Itália, Argentina, Chile e EUA.
Previsão orçamentária
O advogado e economista Manoel Gustavo Neubarth Trindade considera o instituto louvável, porém, inviável na prática. Representando o Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul, ele argumentou que a iniciativa não tem previsão orçamentária e pode levar o sistema ao colapso.
Reforma penal
Os representantes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) apontaram que o Brasil está atrasado na reforma de seu sistema penal. Para os advogados Aury Celso Lima Lopes Júnior e Thiago Minagé, o juiz de garantias pode ser implementado em menos de um ano. Eles afirmaram que não se faz uma evolução processual sem investimentos e consideram inviável permitir que um juiz conduza a investigação e depois julgue o caso.
Desencarceramento
A expositora do Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará, Alessandra Félix Xavier, disse que o juiz das garantias “rompe a barreira da discriminação que as famílias enfrentam para ter acesso ao Judiciário”. Na sua avaliação, é uma forma de combater distorções do sistema, como a superlotação carcerária e más condições para o cumprimento das penas.
Para Julianne Melo dos Santos, da Frente pelo Desencarceramento do Ceará, a grande desigualdade socioeconômica das pessoas submetidas ao sistema criminal levam ao encarceramento em massa, especialmente da população jovem e negra. Ela condenou as audiências de custódia por videoconferência, que dificultam a aplicação de princípios como os da presunção de inocência e da legalidade processual.
Já a presidente da Associação de Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais, Maria Tereza dos Santos, disse estar ansiosa pela implementação do juiz de garantias, pois será possível “saber que teremos alguém que vai nos ouvir e não nos tratar com a desigualdade com que nos trata o Ministério Público”. A seu ver, a população mais vulnerável, especialmente os negros e os jovens, sofrem diante de um sistema voltado à acusação.
Transmissão
A audiência pública, realizada por videoconferência, será encerrada na tarde desta terça-feira, de 14h às 18h, com transmissão em tempo real pela TV Justiça, pela Rádio Justiça e pelo canal do STF no YouTube. O sinal de transmissão está aberto às emissoras interessadas.
RP,AR//CF