Após questões preliminares, relator analisa o mérito da ação sobre “marcha da maconha”
Antes de votar sobre o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187 – que discute a possibilidade de manifestação (marcha) pró-legalização das drogas –, o ministro Celso de Mello (relator) analisou duas questões preliminares.
A primeira delas foi referente ao conhecimento da ADPF. Para ele, estão presentes todos os pressupostos de admissibilidade da ação, por isso considerou viável a propositura da ação, possibilitando a análise do mérito do pedido.
A segunda questão prévia apresentada pelo relator diz respeito à intervenção do amicus curiae [amigo da Corte] “como um fator de pluralização do debate constitucional”. Ele discutiu a questão da extensão e dos limites dos poderes processuais desse terceiro interessado no âmbito dos processos de fiscalização abstrata de constitucionalidade.
Tal reflexão foi motivada tendo em vista que a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) – um dos amici curiae (amigos da Corte) admitidos na ADPF – teria se manifestado de forma a ampliar o objeto da demanda, conforme entendeu o relator. O ministro Celso de Mello, no entanto, avaliou que o pedido foi delimitado com precisão pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A autora da ADPF pediu que o Supremo dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 287 do Código Penal – que pune o delito de apologia de fato criminoso – “de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive, por meio de manifestações e eventos públicos”.
Pedidos não reconhecidos
A Abesup, por outro lado, pretendia o reconhecimento da legitimidade jurídica de determinadas condutas, tais como: o cultivo doméstico da maconha; o porte de pequena quantidade; o uso em âmbito privado; a utilização da referida substância para fins medicinais, inclusive para efeito de realização de pesquisas médicas.
Outras condutas citadas foram: o uso ritual da maconha em celebrações litúrgicas; a utilização da substância canábica para fins econômicos, admitidos quanto a ela o plantio, a exportação e importação, a distribuição e a venda de insumos ou de produtos dela oriundos sem qualquer vinculação ao consumo da planta propriamente dito. A associação pediu, alternativamente, a submissão de tais pedidos “a um processo prévio de regulamentação via Senado e Conade, com a participação democrática dos órgãos e entidades que manifestem interesse no assunto”.
A Abesup também pleiteou a concessão de ofício, em caráter abstrato, da ordem de habeas corpus em favor de quaisquer pessoas que incidam nos comportamentos referidos.
Apesar de considerar inquestionável a importância da participação do amicus curiae no processo de fiscalização normativa abstrata, o relator entendeu que este “terceiro interveniente não dispõe de poderes processuais que, inerentes às partes, viabilizem o exercício de determinadas prerrogativas que se mostram unicamente acessíveis às próprias partes”. Para o ministro Celso de Mello, o autor da ação – e não o amicus curiae – tem o poder de delimitar tematicamente o objeto da demanda por ele instaurada “ou até mesmo de proceder ao aditamento objetivo da demanda constitucional”.
Prerrogativas do amicus curiae
O relator fez considerações a respeito da essencialidade do papel desempenhado pelo amicus curiae. “Entendo que a atuação processual do amicus curiae não deve limitar-se a mera apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas ou, ainda, a produção de sustentações orais perante esta Corte”, disse.
Celso de Mello falou sobre a necessidade de assegurar ao amigo da Corte também a faculdade de submeter ao relator da causa (ou ao próprio tribunal) propostas de requisição de informações adicionais, de designação de perito para que emita parecer sobre questões decorrentes do litígio, de convocação de audiências públicas e até mesmo a prerrogativa de recorrer da decisão que tenha denegado o seu pedido de admissão no processo de controle abstrato, como o Supremo tem reconhecido.
Entretanto, o relator avaliou que este colaborador do Tribunal “não tem o poder de aditar o pleito ou ampliar objetivamente o âmbito temático da demanda constitucional”. Ele ressaltou que a associação busca ampliar o conteúdo material do único pedido formulado pelo PGR, “procedendo assim, a meu juízo, de modo incompatível com a sua posição jurídica na presente relação processual”.
Após analisar esses temas, tendo seu entendimento seguido pelo Plenário, o relator passou ao voto quanto ao mérito da ADPF.
EC/CG