Ao julgar Reclamação, ministros do STF discutem efeitos de cautelar em ADI

15/09/2003 17:03 - Atualizado há 9 meses atrás

Durante o julgamento da Reclamação 2256, ajuizada pelo estado do Rio Grande do Norte contra decisão do Tribunal de Justiça estadual, o Supremo Tribunal Federal começou a rever entendimentos sobre os efeitos na concessão de cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) – ação exclusiva do STF, o guardião da Constituição Federal.


 


A Reclamação é um processo sobre competência, previsto no artigo 156, do Regimento Interno do STF. Sua finalidade é preservar ou garantir a autoridade das decisões da Corte Constitucional. Além dos requisitos gerais comuns a todos os recursos, deve ser instruída com prova documental que mostre a violação da decisão do Supremo. 


 


O processo julgado (RCL 2256) teve por objeto suposta afronta à decisão do STF – uma liminar concedida em ADI  1730 –para suspender  a eficácia do   artigo 29, parágrafo 1º, da Constituição potiguar  (CERN). O dispositivo permitia o reenquadramento de servidor estadual aposentado como Auditor Fiscal do Tesouro Estadual-6 para Auditor Fiscal do Tesouro Estadual-8. O fundamento do desrespeito à liminar do STF foi uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte,  que determinou ao estado a execução do artigo 29, parágrafo 1º, da Constituição estadual.


 


Como a ADI também serve para suspender a vigência de uma lei, o julgamento da Reclamação acabou por suscitar a discussão sobre os efeitos da cautelar concedida nesse tipo de ação. Isso porque a ADI é um dos instrumentos de controle abstrato de constitucionalidade das leis no Brasil. E esse tipo de controle verifica, em tese, se uma lei ou ato normativo, federal ou estadual, contraria a Constituição vigente. 


 


Quem iniciou o debate foi o relator do recurso, ministro Gilmar Mendes. A primeira questão trazida em seu voto, foi a respeito da suspensão dos efeitos da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN) até que o STF tome uma decisão final sobre a ADI  1.730 .


 


A dúvida era se a decisão concessiva de liminar teria efeito “ex nunc” (gera efeitos da decisão judicial em diante) ou “ex tunc” (da promulgação da lei em diante, retroagindo a situações anteriores à decisão judicial). Discutia-se em que momento se daria a suspensão das decisões do TJ-RN: se a partir da concessão da liminar da ADI ou se a partir do julgamento definitivo do STF.


 


Geralmente a concessão de uma liminar gera efeitos “ex nunc”, ou seja, suspende a eficácia da norma para o futuro. Porém, a liminar em sede de ADI pode gerar efeitos “ex tunc”, ou seja, retroagir no tempo e suspender a vigência da lei desde o princípio.


 


Gilmar Mendes observou que, a partir do julgamento da Representação 1.391 ficou assentado na Corte que a decisão cautelar proferida em ADI teria eficácia “ex nunc”. A Representação é uma comunicação feita pelo Presidente do STF ao Ministério Público  de desobediência a ordem emanada do Tribunal ou de seus Ministros, no exercício da função, ou de desacato ao Tribunal ou a seus Ministros para propositura de Ação Penal. Trata-se de instituto anterior à Constituição Federal de 1988.


 


Ao dar continuidade ao seu voto, Mendes lembrou que, em um segundo momento, após a vigência da Carta de 1988, o ministro Moreira Alves recomendou que o Tribunal  concedesse liminar em ADI com eficácia “ex tunc”, sob pena de esgotamento da situação questionada. Nesse sentido assentou-se a jurisprudência do STF ao dispor que, deferida a liminar para suspender a lei, deve-se aplicar a legislação anterior.


 


O relator citou que a Lei nº 9.868/99, que trata sobre o procedimento da ADI no STF, em seu artigo 11, parágrafo 2º, dispõe que a concessão de liminar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, exceto se houver manifestação ao contrário. “Não há dúvida, pois, de que a suspensão liminar da eficácia da lei ou ato normativo equivale, portanto, à suspensão temporária de sua vigência”, afirmou Mendes.   Ainda  lembrou que a mesma lei confere a qualidade de eficácia “erga omnes” à medida cautelar na ADI, o que significa dizer que todos estarão sujeitos à lei, igualmente.


 


Segundo Gilmar Mendes, depois de deferida a liminar em ADI, devem ser  sustados  todos os processos e decisões cujo julgamento dependa da aplicação da lei suspensa. “Em outras palavras, a suspensão cautelar da norma afeta sua vigência provisória, o que impede que os tribunais, a Administração e outros órgãos estatais apliquem a disposição que restou suspensa”. Sob este argumento é que reconheceu ser a aplicação da norma suspensa pelo TJ/RN uma afronta à decisão do STF, requisito de admissibilidade da Reclamação.


 


Assim, julgou procedente a RCL 2256, e cassou a decisão do TJ/RN que afrontava decisão da Suprema Corte, mantendo a supremacia da competência do STF , firmando o entendimento que a liminar concedida em sede de ADI tem efeitos ex tunc.  A maioria dos ministros seguiu o voto do relator. O único ministro vencido na questão foi o ministro Marco Aurélio, que entendia não haver afronta à decisão do STF pela decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.


 



Ministro Gilmar Mendes, relator da Reclamação (cópia em alta resolução)


 


 


 


#CG/AMG//AM

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