2ª Turma: Arquivamento de ação penal por sonegação fiscal não impede prosseguimento de ação por falsidade ideológica
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF ) indeferiu, nesta terça-feira, pedido de Habeas Corpus (HC 91469) em que J.P.L. pedia o arquivamento de ação penal a que responde na Justiça Federal no Espírito Santo por crimes contra a ordem tributária (artigos 1º e 12 da Lei 8.137/90) e de falsidade ideológica (artigo 299, do Código Penal – CP).
No HC, J.P.L. se insurgia contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento parcial a idêntico pedido lá formulado, determinando o arquivamento da ação penal apenas quanto ao primeiro crime (sonegação fiscal), tendo em vista a pendência de procedimento administrativo fiscal ainda em curso. Mas negou o pedido de trancamento da ação por falsidade ideológica. Anteriormente, um HC semelhante foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2).
Lamborghini
Da denúncia contra J.P.L. consta que ele fez "inserir, voluntária e deliberadamente, declaração falsa no certificado de registro de veículo e de licenciamento emitido pelo Departamento de Trânsito (Detran) do Espírito Santo, com o fim de prejudicar direito e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante". Conforme a denúncia, ele adquiriu, em 1997, um veículo esportivo Lamborghini Diablo GT pelo valor de R$ 303.172,00, utilizando o nome de um empregado para ocultar a real titularidade do automóvel nos registros públicos e, assim, fugir do alcance de tributação pela Receita Federal.
Em maio de 1998, ele decidiu transferir o veículo do nome do segundo denunciado, simulando uma venda, agora já por R$ 123 mil, fazendo inserir novamente declarações falsas em documentos públicos. Da denúncia consta, também, que o empregado não possuía renda para adquirir um veículo desse valor, pois recebia salário mensal de R$ 600,00.
A defesa alegava a incidência do princípio da consunção, ou seja, que o crime de falsidade ideológica teria sido absorvido pelo crime de sonegação fiscal, previsto no artigo 1º da Lei 8.137. Afirmava ainda que, trancando-se a ação fiscal pelo crime-fim, necessário seria o trancamento da ação penal também com relação ao suposto crime-meio (falsidade ideológica), haja vista que o delito contra a ordem tributária absorve os crimes de falsidade ideológica necessários à tipificação daquele.
Liminar negada
Em maio de 2007, o ministro Joaquim Barbosa indeferiu pedido de liminar formulado no processo. A Procuradoria Geral da República (PGR) manifestou-se pela denegação da ordem, afirmando que a ausência de dano efetivo não descaracteriza o crime de falsidade ideológica, que não se esgotaria na sonegação.
Segundo a PGR, por ser um crime formal, a falsidade ideológica se aperfeiçoa com a mera potencialidade do dano objetivo pelo agente, não exigindo efetiva ocorrência de prejuízo para sua caracterização. Portanto, o princípio da consunção não se aplicaria ao caso em exame.
No mesmo sentido, o relator, ministro Joaquim Barbosa, sustentou que “a potencialidade lesiva do falso não se esgota na prática do crime tributário, podendo atingir particulares que eventualmente negociassem com J.P.L. Portanto, ele incorreu nas penas do artigo 299, do CP (falsidade ideológica).
Segundo o ministro, a falsidade ideológica não foi perpetrada exclusivamente em documentos destinados a prestar contas à Receita Federal, por ocasião da declaração de Imposto de Renda. “Pelo contrário, trata-se de um documento que atesta a propriedade de veículo automotor, possibilitando inclusive, que o co-réu viesse a se utilizar do registro do veículo para contrair dívida, dando o automóvel como garantia”.
Portanto, segundo ele, a falsidade não constitui apenas um meio para perpetração do crime de sonegação, podendo prejudicar terceiros, como credores do empresário, que deixariam de poder alcançar o automóvel, numa hipótese de ação de cobrança.
Ao votar pela denegação da ordem, o ministro Joaquim Barbosa citou como precedente o julgamento do HC 91542, que teve como relator o ministro Cezar Peluso. No seu voto, Peluso apontou a existência de potencialidade lesiva da falsidade ideológica, com possibilidade da prática de outros crimes. Além disso, conforme Joaquim Barbosa, a jurisprudência do STF só admite o trancamento de ação penal em hipóteses excepcionalíssimas, o que não considerou ser o caso dos autos em julgamento.
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