1ª Turma tranca ação penal por atipicidade de conduta contra condenado por cola eletrônica em vestibular

Na tarde de hoje, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou as atividades ao realizar a primeira sessão do ano de 2007. Os ministros analisaram o Habeas Corpus (HC) 88967 e, por unanimidade, decidiram trancar ação penal contra Jorge Nascimento Dutra, apenas quanto ao crime estelionato. Consta nos autos que Jorge é líder de uma quadrilha que por mais de 18 anos teria fraudado vestibulares realizados em cerca de 32 instituições superiores de ensino. A fraude se materializava pela venda de gabaritos.
Segundo a ação, Dutra foi condenado a 21 anos e 8 meses de reclusão pelos crimes de extorsão, estelionato qualificado, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e porte ilegal de armas, além da pena de 3 anos e 8 meses de detenção por crime contra a ordem tributária. Conforme o habeas, todos os delitos se vinculam a uma fraude eletrônica feita em vestibular realizado no Acre.
Consta no HC que Jorge Dutra liderou um esquema de fraude ao vestibular de medicina ocorrido em julho de 2002 da Universidade Federal do Acre. Ele fornecia a diversos candidatos, mediante pagamento de elevadas quantias em dinheiro, gabaritos das provas por meio de aparelhos microtransmissores, fraude conhecida como cola eletrônica.
De acordo com o relatório lido pelo ministro Carlos Ayres Britto, a Universidade Federal do Acre teve um prejuízo de R$ 450 mil, resultante dos dois anos em que os 28 alunos aprovados ilicitamente estudaram na instituição até decisão que os afastou da universidade integrando, no lugar, os candidatos classificados idoneamente.
Como o intuito de trancar a ação penal, o condenado impetrou HC no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, mas teve o pedido negado, o que motivou nova impetração no Superior Tribunal de Justiça. Também no STJ a ação foi indeferida.
Pedido
A defesa pedia o trancamento da ação penal, alegando que a cola eletrônica não poderia ser tipificada como estelionato qualificado. De acordo com os advogados, a atipicidade da conduta geraria “a inocorrência do crime de formação de quadrilha”, pois “quando os atos supostamente praticados pelo mesmo grupo de pessoas não são considerados crimes igualmente não há que se falar na existência de crime de formação de quadrilha ou bando exatamente pela inexistência de circunstância elementar da conduta, qual seja a prática do crime”.
Voto
No início do voto, o ministro-relator, Carlos Ayres Britto, lembrou que em 19 de dezembro de 2006, no julgamento do Inquérito (INQ) 1145, o Plenário do STF entendeu não haver tipicidade da conduta em caso de cola eletrônica.
O ministro conheceu em parte o habeas, a fim de trancar a ação penal contra o condenado pelo crime de estelionato. Por outro lado, Ayres Britto não conheceu da ação quanto aos demais fatos imputados ao réu, uma vez que o STJ não foi previamente provocado a se manifestar sobre a alegada existência dos crimes de extorsão, crime contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro, porte ilegal de arma de fogo. “O antecipado conhecimento de tais questões agora por esta nossa Corte me parece implicaria em devida supressão de instância”, disse.
Ele explicou que o STJ foi provocado, exclusivamente, sobre a atipicidade da cola eletrônica e sobre a eventual incompetência do juízo federal do Acre para processamento da ação penal em relação aos demais delitos. “Esta alegação no STJ não foi repetida perante o Supremo, o que impede a atuação per saltum dessa nossa Casa de Justiça nos termos da mais serena jurisprudência”, afirmou o ministro.
“Muito embora deva ser reconhecida a atipicidade da prática do que se convencionou a chamar de cola eletrônica, os outros fatos narrados na denúncia justificam, em princípio, o prosseguimento do feito também no que atina à formação de quadrilha ou bando”, ressaltou.
Carlos Ayres Britto considerou convincente a manifestação do Ministério Público, segundo a qual “tais infrações se processualmente conexas à apuração do crime de cola eletrônica dele destacam-se em comportamentos autônomos. Tanto assim, é que a apenação fixada obedeceu ao parâmetro do concurso material de infrações”.
O ministro lembrou, ainda, que consta do processo que os acusados ameaçavam pais de alunos, inclusive de morte, entre outras coisas, para pagassem o trabalho realizado com o fornecimento dos gabaritos.
Dessa forma, por unanimidade, a Turma conheceu em parte o HC e, nesta parte, concedeu a ordem, determinando o trancamento da ação penal contra o condenado, porém unicamente quanto ao crime de estelionato.
EC/RN
Ministro Carlos Ayres Britto, relator.(cópia em alta resolução)
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