1a Turma do Supremo indefere HC a prefeito de Boa Vista, na Bahia

24/11/2003 16:04 - Atualizado há 12 meses atrás

A Primeira Turma do STF indeferiu (18/11) o Habeas Corpus (HC 83.458) impetrado em defesa do prefeito do município de Boa Vista do Tupim (BA), Helder Lopes Campos, com o fim de ver paralisado processo a que responde junto ao Tribunal de Justiça no qual é responsabilizado pela morte de uma pessoa, ao atropelá-la, sem prestar socorro, em junho de 1998.


 


A decisão foi aprovada por maioria, acompanhando o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, vencido o ministro Marco Aurélio. O HC ao Supremo foi apresentado contra ato da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que negou ao prefeito do PSDB baiano outro recurso idêntico.


 


O prefeito está sendo processado por suposta lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor, previsto no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 303 da Lei 9503/97). O dispositivo estabelece detenção de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir pela prática de lesão corporal culposa. A pena é aumentada em um terço até a metade, se a vítima morrer em decorrência de omissão de socorro.


 


De acordo com o relatório sobre a matéria, ao apresentar denúncia contra o prefeito, o procurador-geral de Justiça da Bahia teria deixado de requerer a suspensão condicional do processo, como prevê o artigo 89 da Lei 9099/95. O desembargador – relator da Ação Penal no TJ/BA, discordando da manifestação do representante do Ministério Público e por analogia ao artigo 28 do Código de Processo Penal, enviou os autos ao próprio procurador-geral de Justiça, que reiterou a tese do não cabimento da suspensão condicional do processo.


 


O artigo 28 do CPC diz que “se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.


 


A defesa questionou o fato de o procurador-geral se manifestar, uma vez que já havia se pronunciado. Os advogados requereram a decretação da extinção da punibilidade, por alegada prescrição “virtual” (antecipada), que consistiria no reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do estado antes do término da Ação Penal. Também pediram a remessa dos autos ao Ministério Público estadual para que se manifeste sobre a suspensão condicional do processo. Requereram, ainda, ao Supremo, a concessão do próprio benefício.


 


O pedido havia sido negado liminarmente pelo relator, por falta de plausibilidade jurídica, com base na jurisprudência do Supremo, pela qual a suspensão do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95) não se traduz em direito subjetivo do réu, mas em faculdade processual do Ministério Público.


 


O artigo 89 estabelece que “nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime”.


 


Para a defesa, diante da primariedade do prefeito, a pena em tese aplicável, já considerada a causa de aumento, pela omissão de socorro, seria de 9 meses. Os advogados do prefeito baiano alegaram que a pretensão punitiva estaria virtualmente prescrita, já que o crime ocorreu em 19 de junho de 1998 e a denúncia foi recebida em 20 de novembro de 2001.


 


O relator, contudo, considerou “precoce” a possibilidade de reconhecer a prescrição da pretensão punitiva a partir dos elementos apresentados pela defesa no Habeas Corpus. O ministro Joaquim Barbosa considerou a orientação do STF sobre a matéria, citando precedentes como o HC 66.913, relatado pelo ministro Sydney Sanches e o HC 82155, da ministra Ellen Gracie.


 


Sobre a possibilidade de o procurador-geral de Justiça se manifestar como chefe do Ministério Público em processo no qual atue como autor de Ação Penal Originária, o ministro Barbosa disse que o STF não poderia apreciar a questão, sob pena de supressão de instância, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça não examinou a matéria.


 


“De qualquer forma, a solução da hipótese em tela, ou seja, em se tratando de Ação Penal Originária, é pela inaplicabilidade do artigo 28 do Código de Processo Penal”, considerou o ministro Joaquim Barbosa, citando, em seguida, decisões precedentes do STF aprovadas na solução de Questões de Ordem suscitadas nos Inquéritos 1604, relator ministro Sepúlveda Pertence e 1171,  relator ministro Néri da Silveira.


 


Voto vencido, o ministro Marco Aurélio contestou a argumentação da defesa do prefeito baiano sobre a alegada prescrição do crime atribuído a ele. O ministro disse que a prescrição é declarada a partir de fatores objetivos. “Não cabe a inversão da ordem natural das coisas. Imaginar-se a sentença que poderá ser proferida no processo para, a partir dessa imaginação, concluir-se pela incidência da prescrição, tendo em conta, entre aspas, a pena concretizada na imaginação, não no papel. A tese, a meu ver, não prospera” considerou.


 


Contestou, também, considerando o que prevê o artigo 89 da Lei 9099, a suposta recusa do Ministério Público em propor a suspensão condicional do processo em favor do prefeito de Tupim. “Nós temos o emprego do verbo poder. Mas será que o MP fica fora da incidência do princípio da legalidade estrita, podemos ter, no tocante à suspensão condicional do processo, um ato discricionário a partir de um enfoque subjetivo e não objetivo, considerados os requisitos legais pelo próprio Ministério Publico? No Plenário sustentei que não”, asseverou Marco Aurélio.


 


O ministro observou que o artigo 89 da Lei 9099/95 “encerra um direito subjetivo do acusado”, considerados presentes os requisitos para a suspensão condicional da pena. Para ele, o caso deveria ser tratado como excepcionalidade.


 


O ministro Marco Aurélio recomendou a aplicação do artigo 89 da Lei 9099, para obrigar o Ministério Público a propor a suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos, já que o prefeito baiano foi condenado com base em dispositivo que estabeleceu pena mínima de detenção de seis meses.


 


“Eu peço vênia e a compreensão dos colegas para, diante da excepcionalidade do caso, – e me imagino amanhã envolvido num acidente de transito, o que é possível para aqueles que tem habilitação como motorista – peço vênia para conceder a ordem, a fim de que ocorra a proposta como preconizado no artigo 89 da lei 9099 de 1995”, votou.


 


O presidente da Primeira Turma, ministro Sepúlveda Pertence, também votou, manifestando-se contrário ao posicionamento adotado pelo Ministério Público. “Digo apenas que onde a Constituição conferiu ao Ministério Público o monopólio da Ação Penal, uma lei ordinária não podia criar condições em que esta ação não fosse exercível por razões de conveniência política. A lei proibiu  a renúncia à  Ação Penal em si, em que se traduza a suspensão condicional da pena, dadas determinadas condições objetivas, mas não obrigou, então, e tenho dúvidas se poderia fazer, à suspensão condicional obrigatória. Trata-se tipicamente, de uma fórmula de Direito Penal consensuado, na qual as duas partes hão de estar de acordo”, votou.


 



Ministro Joaquim Barbosa, relator do HC (cópia em alta resolução)


 


#SS/BB//AM

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