Expositores apresentam no STF argumentos favoráveis e contrários à isenção tributária de agrotóxicos

Audiência pública foi convocada pelo ministro Edson Fachin para ouvir representantes da sociedade civil, da academia e de diversas entidades.

05/11/2024 21:11 - Atualizado há 2 semanas atrás
Ministro Fachin e participantes da audiência pública

Ao longo desta terça-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu opiniões e argumentos técnicos de 37 expositores sobre a isenção tributária de agrotóxicos. A audiência foi convocada pelo ministro Edson Fachin, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, em que o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questiona a legislação que instituiu desonerações fiscais para esses produtos.

No encerramento do evento, o ministro ressaltou que as contribuições dos participantes serão essenciais para auxiliar o STF a julgar o caso. Para o relator, visões distintas e até mesmo discordantes integram o próprio sentido da democracia. “Um Tribunal, para decidir de maneira equidistante, deve ouvir, de maneira real e adequada, essas visões distintas e localizar a questão que se coloca para o desate”, afirmou.

Veja abaixo o resumo das exposições:

Expositores da manhã

Paula Corardi, representante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
A presidente nacional do PSOL afirmou que o Brasil tem se consolidado como um dos maiores produtores de agrotóxicos do mundo, e a renúncia fiscal incentiva o uso desses produtos, gerando “impactos devastadores” ao meio ambiente e à saúde. O Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) apontou, em 2019, que 27 tipos de agrotóxicos estão presentes na água de um em cada quatro municípios brasileiros. Desses, 16 são classificados pela Agência Nacional de Vigilância (Anvisa) como altamente tóxicos, e 11 como cancerígenos.

Célia Xakriabá, representante do PSOL (deputada federal)
A parlamentar falou sobre o trabalho do partido no Congresso Nacional para tentar barrar a desoneração de impostos sobre agrotóxicos. Segundo ela, a não tributação funciona como um incentivo ao uso dos pesticidas. Destacou ainda os impactos sobre a saúde humana, especialmente sobre a população indígena e suas terras.

Carlos Goulart, representante do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa)
Secretário de Defesa Agropecuária, Goulart explicou que agrotóxico é todo produto físico, químico e biológico utilizado na agricultura. Ele disse que cabe ao produtor rural decidir usar ou não esses produtos, aumentando ou diminuindo sua produção agrícola. Destacou, ainda, que o Brasil lidera a oferta global de agrotóxicos com base biológica.

Silvio Farnese, representante do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa)
O diretor do Departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas do Mapa destacou a importância dos defensivos para a produção agrícola nacional e a participação do Brasil no mercado internacional, que hoje exporta produtos para mais de 100 países.

Alexandre Furtado Scapelli Ferreira, representante do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
O representante do MTE destacou a Convenção 170 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do uso de produtos químicos por trabalhadores do campo. Falou, ainda, sobre a legislação brasileira que assegura segurança e saúde de agricultores e defendeu o uso de equipamentos de proteção, além de medidas de controle mais detalhadas para quem lida diretamente com os agrotóxicos.

Adalberto Maluf, representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
O secretário nacional do Meio Ambiente e Qualidade Ambiental explicou que a cada dólar gasto no Brasil com agrotóxicos é necessário 1,28 dólar para tratar os efeitos das intoxicações, fenômeno que classificou de “custo gerado pela isenção”. Além de impactos na saúde pública, Maluf falou dos efeitos na biodiversidade e na água. Por fim, afirmou que a maior parte dos agrotóxicos são químicos e que as opções biológicas não conseguem ganhar escala.

Thaiane Fábio, representante do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
Para a diretora de Qualidade Ambiental do MMA, o Brasil enfrenta hoje um “paradoxo ambiental”. Ao mesmo tempo em que assina convenções internacionais protetivas ao meio ambiente e à saúde pública contra substâncias nocivas, o país também mantém isenções fiscais para esses produtos, “cujos efeitos são reconhecidamente danosos”. Ao final, defendeu que os agrotóxicos devem ser tributados de acordo com sua classificação de danos à saúde humana e ao meio ambiente.

Bruno Lucchi, representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Para o dirigente da CNA, o produtor rural depende dos defensivos agrícolas para ter resultados. Em seu entendimento, a retirada de benefícios fiscais vai aumentar o preço dos produtos. Observou ainda que o Brasil lidera o ranking dos países que usam o controle biológico de pragas.

Tiago Fensterseifer, representante da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
O defensor público tratou dos aspectos nocivos dos agrotóxicos e dos prejuízos que causam à saúde humana e ao meio ambiente, segundo ele, confirmados pelos melhores estudos realizados na área. A seu ver, a política fiscal brasileira sobre a matéria contraria deveres estatais de proteção ambiental e sanitária, o que é uma omissão na proteção de direitos fundamentais.

José Otávio Menten, representante da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (FIESP)
O professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, disse que defensivos agrícolas mais modernos contam com menor toxicidade e reforçou a importância do controle de pragas, que representam prejuízos de 44% da produção, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Ele afirmou que a Lei 14.785/2023 traz avanços na regulação sobre uso, controle, registro e segurança de produtos menos nocivos.

Marijane Vieira Lisboa, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Segundo a conselheira do Idec, diferentes estudos realizados nos últimos 20 anos demonstram os impactos negativos na saúde dos brasileiros pelo uso excessivo de agrotóxicos. Além desses prejuízos, ela apresentou dados que revelam perdas na arrecadação do país. Somente com a cadeia da soja, a desoneração representa cerca de 56 bilhões por ano, cifra bem maior do que os gastos do governo com o pagamento do Bolsa Família.

Sérgio Graff, representante do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg)
O médico toxicologista falou sobre os pilares fundamentais da toxicologia e o que diferencia o remédio do veneno – a dose. Segundo ele, para avaliar a dose que não provoca nenhum efeito existe a ciência chamada “avaliação do risco toxicológico”. Como exemplo, citou a toxina botulínica, substância perigosa, usada hoje no mundo com dose e via de administração controladas.

Yamila Goldfarb, representante da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra)
A geógrafa sustentou que a isenção tributária favorece setores mais fortes do agronegócio, aumenta as desigualdades no campo e eleva os custos para os pequenos produtores rurais. Dessa forma, quem planta alimentos orgânicos acaba por pagar um preço mais alto para produzir. Yamila também criticou o uso de pulverização aérea, que, segundo ela, mata abelhas e outras espécies fundamentais para a polinização, além de causar outros prejuízos ambientais.

Fabrício Rosa, representante da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja)
O engenheiro agrônomo e diretor executivo da entidade falou sobre os impactos econômicos que o fim da redução de ICMS pode causar aos produtores rurais, sejam pequenos, médios ou grandes. Argumentou que a taxação pode levar à queda na renda dos produtores, ao endividamento no campo, ao aumento na concentração de terras e até à desistência da atividade agrícola.

Priscila Diniz, representante da ACT Promoção de Saúde
A coordenadora da área técnica da ACT Promoção de Saúde afirmou que a entidade tem atuado no Congresso Nacional em defesa da chamada Reforma Tributária 3S – saudável, solidária e sustentável. Ela sustentou que os tributos saudáveis são importantes ferramentas políticas para desincentivar produtos prejudiciais à saúde.

Tathiane Piscitelli, representante da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Segundo a professora do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, o direito à saúde e à proteção do meio ambiente e dos cofres públicos deve prevalecer. Ela reforçou o argumento de que o consumo de agrotóxicos nos níveis registrados no Brasil leva ao adoecimento da população. A seu ver, o STF pode sinalizar ao Congresso Nacional que não se pode mais usar recursos públicos para beneficiar um determinado setor.

Iara Maria Lopes Rangel, representante do Instituto de Agroecologia e Cooperação Ciclos
Ela disse que o modelo de agricultura baseado no uso de agrotóxicos gera um alto custo dos alimentos e causa vários impactos negativos, como a contaminação do solo, da água, da fauna silvestre e da saúde humana. Lembrou ainda que as terras agrícolas estão cada vez mais degradadas e, consequentemente, menos sustentáveis, o que vem sendo agravado pelo cenário de mudanças climáticas.

Kátia Isaguirre, da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
A professora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direito Ambiental destacou a produção crescente de orgânicos no Paraná e defendeu que é possível produzir alimentos saudáveis com respeito aos valores locais e tradicionais. Para a professora, a incidência de tributos sobre os agrotóxicos viabiliza a justiça socioambiental e atende ao princípio da precaução.

Expositores da tarde

Gabriel Madeira, representante da Universidade de São Paulo (USP)
O professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária apresentou estudo técnico sobre os impactos econômicos do aumento da tributação de agrotóxicos. Segundo o professor, o fim dos benefícios fiscais pode gerar impacto negativo de R$ 6,5 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB), além da perda de 242 mil empregos, R$ 900 milhões em salários e R$ 469 milhões em tributos não arrecadados.

Maurício Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
O advogado apresentou nota técnica em que a Fiocruz explica que agrotóxicos percorrem 32 quilômetros após a pulverização. Esse alcance possibilita que essas substâncias atinjam não apenas as plantações, mas o meio ambiente, as nascentes de rios e as populações que moram no entorno das produções.

Leo Meirelles do Amaral, representante da União da Indústria de Cana-de Açúcar e Bioenergia (Unica).
O diretor jurídico da entidade disse que, se houvesse possibilidade, o produtor não usaria agrotóxico, o que evitaria, inclusive, o alto custo da produção. Mas, segundo ele, o fim dos benefícios fiscais teria efeito enorme no preço dos combustíveis e dos alimentos.

Darci Frigo, representante da Organização Terra de Direitos
O coordenador executivo da organização afirmou que é preciso afastar a ideia de que o não uso de agrotóxico afetaria o abastecimento da população. Segundo ele, não é o agronegócio, responsável pelo uso de 84% dos agrotóxicos no país, que alimenta a população brasileira, mas a agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais.

Vinícius Valentin Raduan Miguel, representante da Universidade Federal de Rondônia (UFRO)
Segundo o professor da Faculdade de Direito da UFRO, a desoneração fiscal incrementa a utilização dos agrotóxicos. Para ele, essa situação viola o dever estatal e comunitário de proteção do meio ambiente e impossibilita que as gerações futuras tenham oportunidades de desenvolvimento justas e melhores que a atual geração.

Anderson Ricardo Levandowski Bellolli, representante da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz)
O diretor da entidade refutou a afirmação de que a redução do uso de agrotóxicos não aumenta o custo do alimento. Bellolli explicou que o fim da desoneração aumentaria o custo de produção das lavouras de arroz no seu estado, resultando na redução da produção e no aumento dos preços.

Fernando da Cunha Cavalcanti, representante da Defensoria Pública da União (DPU)
O defensor público federal afirmou que 30% dos atendimentos da DPU são questões de saúde, pedidos de medicamentos ou de tratamento de saúde, que, muitas vezes, se tornam ações judiciais relacionadas ao uso excessivo de agrotóxicos, com grande custo para o poder público. Destacou, ainda, as consequências para comunidades tradicionais, pois o impacto social e cultural nessas populações não pode ser mensurado monetariamente.

Larissa Mies Bombardi, representante da USP
A professora do Departamento de Geografia disse que, entre os 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, cinco são proibidos na União Europeia. Segundo ela, a diferença climática, muitas vezes apresentada como justificativa para sua proibição na Europa, não procede, uma vez que esses agrotóxicos eram utilizados lá nas mesmas culturas que no Brasil, mas foram proibidos por sua toxicidade.

Lauro Rodrigues de Moraes Rêgo Júnior, representante do Partido Verde (PV)
O advogado afirmou que, entre 2019 e 2022, cerca de 2 mil novos agrotóxicos foram aprovados pelo Ministério da Agricultura sem que houvesse aumento da capacidade de análise dos impactos para a liberação do uso. Essa situação, a seu ver, comprova a desregulação na utilização desses produtos. Ele ressaltou, ainda, que o aprofundamento do uso de agrotóxicos foi uma política de Estado durante a ditadura militar, com subvenções diretas a partir de 1975.

Solange Cristina Garcia, representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Segundo a professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Ela disse que em 2001 eram utilizados no país 2,7 kg de agrotóxicos por hectare, e em 2021 o número subiu para 10,9 kg. A professora destacou que, segundo dados do Ibama, em 2022, cada brasileiro teve contato pela água, pelo ar ou pelo consumo de alimentos com 5,5 kg de agrotóxicos, seus ingredientes ativos ou produtos decorrentes de sua degradação.

Adelar Cupsinski, representante da FIAN/Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
O advogado citou pesquisas da instituição que apontam que o abuso de agrotóxicos compromete a saúde e a subsistência de comunidades tradicionais em diversos pontos do país. Ressaltou, ainda, que os impactos decorrentes do uso de pesticidas em propriedades vizinhas comprometem a biodiversidade e afetam diretamente a diversidade alimentar dessas populações.

Maxmiria Holanda Batista, representante da Universidade Federal do Ceará (UFC)
A professora da Faculdade de Medicina da UFC disse que estudos realizados na região do Baixo Jaguaribe, no Ceará, constataram a contaminação das águas superficiais da bacia do Jaguaribe e das águas profundas do aquífero Jandaíra. Segundo ela, a região teve uma grande expansão da agricultura industrial, caracterizada por monoculturas e uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos. O índice de câncer no local é 38% maior que em áreas com menor utilização de agrotóxicos.

Álvaro Delatorre, representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
O engenheiro agrônomo destacou que o uso de alternativas sustentáveis pode regenerar o solo e ajudar a preservar o meio ambiente e a saúde da população. Ao observar que a decisão é política e não tributária, ele considerou necessário que o STF reconheça a inconstitucionalidade da isenção fiscal a agrotóxicos, sob pena de violação de normas constitucionais de direitos fundamentais da população brasileira.

Maria de Fátima Alves, representante da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex)
A apanhadora de flores disse que a população já está sendo afetada pelo uso do agrotóxico com prejuízos imensuráveis. Em seu entendimento, é preciso levar em consideração os sérios impactos no meio ambiente, na alimentação e na saúde das pessoas, principalmente das crianças e dos idosos, que são os mais vulneráveis.

Raphael Barra, representante da Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio (ABDAGRO)
O presidente da entidade ressaltou que defensivos agrícolas são usados para proteger as lavouras, aumentar as divisas do país e contribuir com o PIB brasileiro. A seu ver, manter os benefícios fiscais é mais do que uma decisão estratégica, é um ato de justiça e de solidariedade com as pessoas que dedicam suas vidas às atividades agrícolas.

Clayton Gomes de Medeiros, representante do Instituto Federal do Paraná (IFPR)
O professor avaliou que, enquanto o Estado estimular e induzir o uso de agrotóxicos com benefícios fiscais, práticas mais sustentáveis e menos prejudiciais à vida não serão adotadas, por parecerem mais caras ou menos lucrativas. Na sua avaliação, é preciso buscar um modelo de desenvolvimento mais amplo, e não apenas econômico, beneficiando a todos.

Leomar Daroncho, representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
Segundo o procurador do trabalho, ninguém discorda que agrotóxico é nocivo ao ser humano. A questão é saber se o Estado pode deixar de cumprir seu dever de proteger trabalhadores, sejam eles proprietários ou empregados, expostos a grandes quantidades dessas substâncias nas áreas agrícolas. Ele citou alguns estudos que demonstram consequências graves relacionadas ao uso de agrotóxicos, como abortos e câncer em crianças.

Mariana Barbosa Cirne, representante da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab)
A professora disse que é preciso avaliar a discussão sob o ponto de vista ambiental, social e econômico. De acordo com ela, as questões climáticas já afetam o mundo, e é importante considerar os impactos das decisões no futuro das próximas gerações.

Renato Roseno, representante do PSOL
O deputado estadual Renato Roseno (CE) agradeceu a iniciativa do ministro Fachin de convocar a audiência pública sobre o que considera ser um dos temas mais importantes para a sociedade brasileira, que é a justiça tributária, fiscal e ambiental. Para o parlamentar, a isenção fiscal para produtos danosos à saúde e ao meio ambiente colide com princípios constitucionais. Ele defendeu que esse subsídio vá para o Sistema Único de Saúde (SUS), que trata das vítimas do uso excessivo de agrotóxicos.

(Redação/AD//CF)

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