Discurso do ministro Carlos Velloso ao receber medalha-prêmio por 50 anos de serviço público

Discurso proferido pelo ministro Carlos Velloso em 31 de agosto de 2005, na solenidade de outorga, pelo Supremo Tribunal Federal, da medalha-prêmio em reconhecimento aos 50 anos de serviço público
Buscamos, no fundo dos nossos corações, a minha mulher Maria Ângela, meus filhos, meus genros, minha nora, meus irmãos, meus cunhados, meus netos e eu próprio, o agradecimento por este momento de alegria que nos proporcionam. Ao Ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal, que preparou esta homenagem, são para ele as nossas primeiras palavras de agradecimento. V.Exa., Ministro Jobim, meu amigo fraternal, de cujo convívio recolhi lições, tem um coração tão grande quanto o seu corpo. Para V.Exa., sempre em véspera de grandes realizações, o nosso muito obrigado. Agradeço aos meus colegas, à nossa doce e severa colega, Ministra Ellen Gracie, que lembrou, na Corte, os meus cinqüenta anos de serviço público, o nosso especial agradecimento. Também aos servidores da Casa, do Diretor-Geral, o Dr. Miguel, ao mais humilde dos nossos auxiliares, e, especialmente, aos integrantes do meu gabinete, a nossa gratidão.
Multidão de amigos aqui veio. Hoje, pela manhã, a “galera” de Minas foi chegando, um mundo de amigos, que, juntando-se aos amigos de Brasília, da minha Entre Rios, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de todo o Brasil, constituem o que considero o maior tesouro de minha vida.
Nestes amigos incluo, evidentemente, as altas autoridades que aqui estão, do Judiciário, do Executivo, do Legislativo. Essas altas autoridades aqui não estariam se não fossem amigos meus.
Digo para Vocês todos, amigos queridos: eu me orgulho da nossa amizade.
Meus caríssimos.
Recordar é preciso, ainda que a vôo de pássaro.
No dia 5 de agosto de 1954, um jovem que acabara de completar 18 anos — e que precisava ajudar no custeio dos seus estudos, já que o seu pai, juiz em Minas, e juiz, naqueles tempos heróicos da magistratura, ganhava parcos vencimentos — o jovem, repito, que acabara de completar 18 anos, era admitido no cargo de escrevente juramentado do Cartório da 3ª Vara Criminal de Belo Horizonte. O Juiz titular da Vara era o Dr. Joaquim Henrique Furtado de Mendonça, e o escrivão era o Sr. Sebastião Caetano. De ambos tornei-me amigo. Seis meses depois, por indicação do Dr. Furtado, tendo o Sebastião Caetano de afastar-se para tratamento de saúde, fui investido no cargo de escrivão. Que dias interessantes. Aos sábados, — naquele tempo trabalhávamos aos sábados — ao cartório acorriam amigos, todos na minha faixa etária. Eles iam ler os inquéritos que tinham por objeto crimes fesceninos. Eram uns descarados, todos eles, hoje, respeitáveis avôs.
Depois veio o serviço militar no CPOR de Belo Horizonte, onde fiz amigos entre soldados, alunos e oficiais.
O ingresso na Faculdade de Filosofia ocorreu em 1958. O namoro com a Ângela, que começou no dia 14 de setembro de 1957, acabou em casamento, que dura há 45 anos. O ingresso na Faculdade de Direito, da então Universidade de Minas, hoje Universidade Federal de Minas Gerais. O concurso para o cargo de Oficial Judiciário do TRT de Minas. O exercício do cargo, ainda estudante, em 1960, de Diretor de Secretaria da Junta de Conciliação e Julgamento de Uberlândia, onde conheci e me tornei amigo para a vida toda do juiz e professor Juarez Altafin, que foi Reitor da Universidade Federal daquela próspera cidade.
A formatura em Direito, pela UFMG, deu-se em 1963. A turma de 1963 é de gloriosas tradições.
O concurso para o cargo de promotor de Justiça, em 1964. Esse concurso representou muito para mim. É que fora ele aberto quando cursávamos os últimos meses do 5º ano, em 1963. Os exames seriam no mês de janeiro seguinte. Fiz uma petição ao então Procurador-Geral, o saudoso e eminente Dr. Mauro Gouvêa. Argumentei que, quando dos exames já teríamos concluído o curso. O Dr. Mauro despachou no cabeçalho da petição: defiro, condicionada a apresentação do diploma da conclusão do curso anteriormente ao início das provas escritas. Anteriormente, em 1963, prestara concurso para procurador-estagiário da Advocacia-Geral do Estado e fora aprovado, o que me foi útil na prova de títulos. Registro a participação e a aprovação nesse concurso para o Ministério Público de Minas, do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça.
Vieram depois os concursos para Juiz Seccional e Juiz de Direito, dos quais o ministro Sálvio também participou e foi aprovado. O Juiz Seccional funcionava numa Seção que abrangia várias comarcas. A Sede da Seção ficava, geralmente, numa boa cidade. Queria optar por esse cargo. Meu pai, o juiz Achilles Velloso, entretanto, ordenou: “o juiz seccional é um cigano, que vive de ceca e meca. Vai ser juiz de Direito”.
O velho Achilles sabia das coisas.
O ingresso na Justiça Federal ocorreu em janeiro de 1967. Para o cargo de Juiz Federal fui indicado pelo saudoso Milton Campos, Ministro da Justiça, com quem convivera na UDN, Partido ao qual me filiara ainda estudante. A nomeação dos primeiros juízes federais ocorreu mediante indicação do Presidente da República ao Senado. Aprovado o nome, o presidente efetivava a nomeação.
Juiz Federal, ocupei, de
Em dezembro de 1977 fui nomeado para o cargo de ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos. Na representação do TFR, integrei o TSE, de
Em 1989, passei a ocupar uma das cadeiras do Superior Tribunal de Justiça. De lá, por indicação do Presidente Collor, vim para o Supremo Tribunal Federal, em junho de 1990, na companhia do Ministro Marco Aurélio. Na representação do Supremo, integrei, novamente, o Tribunal Superior Eleitoral: de
E veio a presidência do Supremo Tribunal, que, com muita honra para mim, exerci no biênio 1999-2001. Foram dois anos de intenso trabalho.Acabei voltando ao TSE, em 2003. E de novo ocupo a sua presidência.
O magistério sempre me atraiu. Ainda no curso de Direito, lecionei francês na Escola de Comércio Santo Afonso,
Aí está, meus amigos, um resumo desse meio século de trabalho. Aliás, devo esclarecer, são cinqüenta e um anos, completados no dia 5 deste.
O que fiz nestes cinqüenta anos?
Fiz muitos amigos. Sou de fazer amigos e de conservá-los. Posso dizer com orgulho que fiz, nesses cinqüenta anos, uma legião de amigos, esforçando-me por mantê-los. É do meu avô, Carlos Velloso, que homenageio usando o seu nome, a sentença: os amigos são como as plantas. Precisam ser regadas. Essa é uma sentença líquida, em sentido metafórico e literal.
Vou terminar.
Foram grandes as alegrias que vivemos, minha família e eu. Os meus filhos só me deram alegrias: a Rita de Cássia, o Camário, Rosinha, a Ana Flávia. Também os meus genros, o meu colega Rezek, o Cláudio, a minha nora Adriana, os meus netos, João Carlos, Fernanda, Victor Carlos, Daniel Carlos, Henrique e Ana Clara. A Maria Ângela, minha mulher, que me deu esses filhos maravilhosos, tem sido uma companheira fiel, amiga, solidária.
Mas a vida não é só de alegria.
Há tristezas também. Neste ano fomos vitimados por uma tragédia. A nossa filha Rosa Maria, a doce Rosinha, nos deixou. É grande a dor, intenso o sofrimento.
Para ela, Rosinha, permitam-me os meus amigos, ofereça eu os louros desta festa. Na “Consolation à Monsieur Du Perier”, que perdera uma filha, Malherbe dedicou um dos mais belos poemas da língua francesa. Recolho desse poema os versos, com os quais homenageio a minha Rosa, oferecendo-lhe esta festa tão significativa para mim: Malherbe, referindo-se à filha de Du Périer, e após afirmar que a sua dor seria eterna, criou este lindo verso:
“Mais elle était du monde, où les plus belles choses
Ont le pire destin,
Et rose elle a vécu ce que vivent les roses,
L’espace d’un matin.”
“Mas ela era do mundo, onde as mais belas coisas
Têm o pior destino,
E, rosa, ela viveu o que vivem as rosas,
O espaço de uma manhã.”
Assim foi com a nossa Rosinha, para quem ofereço todas as galas desta festa.
Muito e muito obrigado, meus amigos.
Velloso recebe medalha entregue por Jobim (cópia em alta resolução)
Ministro discursa ao receber homenagem (cópia em alta resolução)