Confira a íntegra do discurso do presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, na abertura do Ano Judiciário

01/02/2005 15:48 - Atualizado há 12 meses atrás

Este ato corresponde à abertura do ano judiciário do ano de 2005. Teremos este ano extraordinárias modificações e a necessidade de implantação de novas estruturas no Sistema Judiciário Nacional. Votou-se, no Senado Federal, a primeira parte da reforma judiciária do ponto de vista constitucional. A Câmara dos Deputados deverá apreciar o texto que retornou à Câmara. E o presidente da República, juntamente com o presidente do Congresso, o presidente da Câmara e o presidente do Supremo, e os demais ministros dos Tribunais Superiores, em discussões que foram travadas como preliminar para a reforma processual, enviou uma série de projetos-de-lei que serão objeto de análise pelo Congresso Nacional.


Eu creio,  senhores, que nós observamos neste ano, e nestes últimos anos, um crescente protagonismo judicial, seja neste tribunal, quando, afora as questões técnicas específicas, acabou o controle da constitucionalidade se transformando também numa instância recursal da luta política. Por diversas vezes aqui examinamos o prolongamento da disputa política junto ao Congresso Nacional em relação à elaboração legislativa. Tivemos, em alguns casos, o uso da  Ação Direta   no sentido de ser um instrumento, inclusive para maior visibilidade de posições político-partidárias. Tivemos também o uso da ação direta por partidos políticos visando a busca do debate constitucional .  Mas ao fim, um crescimento imenso da disputa judiciária como um prolongamento da disputa política trazendo o Supremo Tribunal Federal e as estruturas judiciárias para o centro do debate político nacional.


Houve também durante esse período, principalmente a partir dos anos 90, uma progressiva judicialização das lesões de massa e dos debates de massa. Houve um acréscimo de funções no sistema judiciário exatamente porque passou o sistema judiciário a integrar a agenda nacional como um lócus para o debate das grandes questões nacionais.


Creio que a redução dos índices inflacionários veio a trazer uma nova perspectiva para o sistema judiciário. Passou o sistema judiciário  a  não ser mais algo que era só e somente da agenda dos atos políticos do sistema judiciário, qual seja, os juízes, os promotores e os advogados. Lembro-me que sentávamos à mesa desde 1988, na discussão das questões judiciárias, e era um assunto que interessava exclusivamente a esses atores. Não havia no debate constitucional de 1987/88 outra participação que não daqueles parlamentares, senhor presidente da Câmara, que exatamente estavam afeitos à questão judiciária, porque a massa da Câmara dos Deputados não tinha interesse no sistema judiciário,  já que o sistema judiciário não participava da agenda nacional. Agora a situação é completamente diferente. No debate da reforma constitucional feita agora no ano de 2004, iniciada e votada na Câmara dos Deputados no ano de 2000, não obstante ter sido iniciada por uma proposta de emenda do deputado Hélio Bicudo do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, esse debate começou a ser travado, com realidade, no ano de 2000. De 1992 a 2000 não se debatia. Não era desídia do Congresso Nacional, era exatamente a não percepção real de que o sistema judiciário não importava no conjunto das ações político-constitucionais e também das ações administrativas do país. Houve uma ampliação depois disso, do ano 2000 para cá, do acesso pela via dos juizados especiais. E tudo isso determinou o que? Determinou o aprofundamento da crise do sistema judiciário exatamente porque o aparato processual, administrativo e estrutural do sistema era preparado exclusivamente para as demandas individuais e não preparado para um protagonismo político emergente e para principalmente as demandas de massa. Passamos a tratar as demandas de massa com um instrumental claramente eficaz para o sentido das demandas individuais.


As discussões processuais que tomaram conta do país a partir de 1974 e que vieram a otimizar, barbaramente, o sistema processual, no que diz respeito a demandas individuais, mostrou-se absolutamente ineficaz e ineficiente contra o tratamento das demandas de massa. De um lado o problema estrutural, de outro lado, a mesmice corporativa que não enxerga, ou melhor, que passou a enxergar em cada esquina desse país tramas diabólicas contra a magistratura no sentido da reforma. Isso tudo está por terminar no sentido de que possamos buscar a participação e eficácia do sistema judicial através de reformas, na Câmara dos Deputados, e que agora sim tem compromisso com a nação.


Creio que,  entre as metas fundamentais, tenhamos que estabelecer a eficácia. As discussões processuais que se estabeleceram no país eram discussões que tinham um comprometimento da consistência acadêmica do sistema judicial e nenhum pensamento sobre os mecanismos de eficácia quando, na verdade, o processo nada mais é do que as regras de trânsito. E no caso, essas regras de trânsito conduziram sempre ao engarrafamento, ao embotamento e à ineficácia do sistema, embora satisfeitos que estávamos, alguns principalmente nesta área processual, extraordinariamente satisfeitos com o discurso da consistência porque compromisso nenhum tinha com resultados. Era a busca da academia e não a busca dos interesses da nação.


Creio que precisamos encerrar esse momento da morosidade exatamente pela reforma processual mas que passa também pelo fim do gerenciamento de rotina do sistema judiciário, em que nós gerenciamos as demandas da perspectiva da individualidade, quando hoje uma demanda representa a tese por ela discutida ‘n’ discussões e nós ainda continuamos rotineiramente conduzindo-nos como se estivéssemos perante demandas individuais. Na verdade estamos perante o contexto de um todo que ingressa para dentro do sistema judiciário na perspectiva da massificação das relações trans- subjetivas. Precisamos caminhar pela decretação do fim desse gerenciamento de rotina. Do fim ao improviso e,  fundamentalmente,  do fim do insulamento administrativo. O ministro Pertence (Sepúlveda Pertence) sabiamente, pela experiência que veio da Procuradoria da República como também do ativismo da Ordem dos Advogados do Brasil e junto também ao Supremo Tribunal,  tem dito claramente que o Sistema Judiciário Brasileiro, com seus 96 tribunais, é um arquipélago de ilhas de pouca comunicação. E esse insulamento administrativo tem levado à ineficácia porque cada um entende que a solução dos nossos problemas passe exclusivamente pelas idiossincrasias individuais de cada um desses tribunais,  quando isso é um problema de todos nós, quando isto é um problema de sobrevivência de todos nós.


O ampliamento, portanto, da legitimação democrática do sistema judiciário é exatamente nos enxergarmos como servidores e não como donos da nação. Não como credores de elogios e dádivas da nação,  mas sim como servidores da nação com aquilo que a nação tem,  embora pudesse ter outras coisas. Mas isso que a nação tem e com o que a nação tiver nós precisamos trabalhar sem o choramingado, sem o choro, sem o olhar a esquina e culpar os outros. Mas sim, trazer a nós o trabalho fundamental para que a nação cresça, juntamente com os trabalhos desenvolvidos pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo.


Este ano de 2005  vai  representar a implantação do Conselho Nacional de Justiça, conselho esse estigmatizado pela maioria da magistratura nacional. Na verdade o conselho que era visto e revisto em alguns setores como órgão de correição das atividades judiciárias é, isto sim, um órgão que tentará desqualificar esse insulamento administrativo para termos uma política nacional e uma estratégia nacional do Poder Judiciário na condução das suas ações e dos seus mecanismos.


O Supremo Tribunal elabora uma pesquisa sobre indicadores analíticos que possam nos dar a nossa capacidade, principalmente aquilo que nós chamamos a taxa de congestionamento do sistema. Já verificamos que em alguns setores a capacidade de dar vazão à demanda de decisões no sistema judiciário está na ordem de 20%, ou seja, a cada ano, para 100 demandas nós temos a capacidade geral de julgar 20 delas. Ou seja, o congestionamento nos levará à paralisação completa do sistema e é por isso a necessidade de formulação de mecanismos que melhorem a nossa capacidade de oferta de decisões, modernamente, na perspectiva das demandas de massa. Assim, poderemos, também nós, através dessas reformas, fortalecer a justiça nos estados para que o Supremo Tribunal e os Tribunais Superiores voltem à sua função fundamental de guardas da Constituição e guardas da unidade do direito nacional mas não do julgamento do caso concreto,  e  sim da vigência da lei nacional por sobre eventuais distorções localizadas e regionalizadas. E com isto nós voltaríamos a uma função que os republicanos nos destinaram, exatamente para isto precisamos ter a consciência das funções e cada um de nós reconhecer a necessidade do fortalecimento radical da justiça nos estados, quer dos Tribunais de Justiça, quer dos Tribunais Regionais Federais, quer dos Tribunais Regionais do Trabalho, para que venham aos Tribunais Superiores somente aquelas demandas que digam respeito à unidade nacional e à fricção federativa e  à  vigência do direito nacional . Não  mais  a disputa de quem tem direito a isto ou aquilo, se nenhuma disputa há sobre a definição da regra jurídica e sobre a definição das situações judiciais ou jurídicas e normativas.


Creio senhores, que de outro lado, além dessa visão da oferta de decisões no sentido de verificar os nossos mecanismos e também da verificação das nossas capacidades administrativas, precisamos também caminhar para um outro tipo de situação que o Supremo Tribunal já faz o seu levantamento, que é exatamente a análise dos nossos clientes. Quem são os clientes preferenciais do sistema judiciário? Alguns deles se interessam ou todos eles não se interessam pela morosidade? Ou a morosidade é uma condição também de verificação de eficácia econômica das suas condutas? No Rio de Janeiro levantamos alguns estudos em relação aos tribunais especiais e verificamos a necessidade de termos uma digestão, também pelos tribunais, da demanda de decisões, agindo portanto na entrada do sistema e não só na saída.  Porque  devemos trabalhar não só no fluxo dentro do sistema –  mas precisamos trabalhar também na entrada de demandas no sistema e identificarmos exatamente onde podem-se formular, senhor presidente, políticas públicas que evitem e que minimizem esses bolsões de demanda ao sistema judiciário. É esta a colaboração que precisamos dar. Não podemos mais ser meramente passivos no sentido de termos orgulho pelo aumento de demandas. Nós precisamos, isto sim, ter consciência a quem estamos servindo na demanda e a quem a morosidade serve nesses interesses.


Senhor presidente, o Supremo Tribunal introduziu na seqüência de suas presidências a tentativa exatamente do afastamento da rotina. Criamos as pautas temáticas e o gerenciamento de pautas, exatamente para que a nação tenha consciência do que se julga e o que se faz.


Creio, senhores presidentes do Senado e da Câmara, que nós poderemos  avançar com essa parceria necessária da visão da nação. Alguns entendem que os poderes não devem ser harmônicos e que se afirmam os poderes na disputa entre eles. É evidente que a disputa política entre o Poder Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, é a disputa típica do prolongamento do debate político-partidário mas não se justifica, absolutamente, que seja o conflito a regra do sistema judiciário. O sistema judiciário, mais inclusive que o legislativo,  tem o dever de conviver harmonicamente com eles exatamente porque são eles, o executivo e o legislativo, o fundamento da soberania nacional e da vontade popular. Daí porque,  senhor presidente da República, senhores presidentes do Congresso, eu creio que nós, nesse ano de 2005 precisamos exatamente darmos as mãos, entendermo-nos, quer na implantação do Conselho Nacional de Justiça para o seu sucesso e o seu funcionamento.


Contamos não só com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Edson Vidigal, como também o ministro Vantuil Abdala do Tribunal Superior do Trabalho com o apoio das suas estruturas. Contam eles com o nosso trabalho e nós três teremos condições de levar adiante esta empreitada. Mas tudo isso dependerá, senhores presidentes, dos Tribunais de Justiça, senhores desembargadores, senhores presidentes dos Tribunais Regionais Federais e senhores presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho, senhores juízes, magistrados e presidentes de associações. Tudo depende de qual é o compromisso. O compromisso é um Poder Judiciário para nós ou o compromisso é um Poder Judiciário para a nação. A nação olha com atenção as nossas condutas. O povo não é tolo. Sabe quem deseja para si o poder ou deseja o poder para servir a todos. E creio que nós temos a consciência disso, quer a presidência do STJ, quer a do TST, quer a presidência do Supremo. E caminharemos junto com isso, porque a eficácia que o Tribunal Superior Eleitoral tem demonstrado e a Justiça Eleitoral Brasileira é um desafio para a Justiça comum. Os resultados dos trabalhos, a eficácia, a participação ativista da Justiça Eleitoral no aperfeiçoamento da apuração da vontade popular é uma demonstração de que temos capacidade para fazer isso. A questão é saber se queremos fazer isso ou se desejamos exclusivamente nos servir do sistema judiciário para o nosso deleite e para o nosso orgulho e para nossa biografia. Ou damos a nossa biografia ao serviço da nação e ao serviço do Poder Judiciário. Esta a expectativa nossa, esta creio é a posição dos presidentes dos Tribunais Superiores. Esta a colaboração que tem sido prestada extraordinariamente pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, é esta, senhor presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a nossa visão, o nosso interesse e a nossa condução. Senhor procurador da República, entenda Vossa Excelência, junto com os procuradores dos Estados, que todos estamos com a mesma função e temos a mesma destinação. Volto a repetir o que tenho dito sempre. Nada de retaliações com o passado. Ajuste de contas do país com o seu futuro é um dever não só das atividades políticas mas, fundamentalmente também do sistema judiciário.

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.