Terra Indígena Apyterewa: em ação conjunta, STF, CNJ e Presidência da República confirmam desintrusão de reserva no Pará

Comitiva oficial esteve na Terra Indígena Apyterewa para analisar cumprimento de decisão do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 709.

09/02/2024 10:00 - Atualizado há 8 meses atrás

Em uma ação conjunta realizada no entre os dias 2 e 5 de fevereiro, representantes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Presidência da República avaliaram presencialmente os resultados da Operação de Desintrusão da Terra Indígena Apyterewa, determinada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 pelo presidente do Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso.

Os integrantes da comitiva inspecionaram as terras e conversaram com moradores e indígenas sobre os resultados do processo de desintrusão. Os relatos dos indígenas que vivem na região demonstram alívio em relação a saída do garimpo. O Povo Parakanã, que vive em 22 aldeias espalhadas na Terra Indígena (TI) Apyterewa, diz que não escuta mais o barulho das serras, nem encontra mais rejeitos de mineração no leito do Rio Xingu, ou mesmo caminhões transportando madeiras extraídas ilegalmente da floresta.

“Quero agradecer ao presidente do STF por essa força, a luta dele foi um sucesso e demonstrou, firmemente, a confiança que a gente tem nele. Obrigado. A natureza também agradece”, disse a líder indígena Wenatoa Parakanã, vice-presidente da associação criada pelo povo tradicional de recente contato.

O cenário encontrado durante a visita pela comitiva, na área anteriormente ocupada pelo garimpo ilegal, foi de casas abandonadas, edificações e fazendas destruídas. Foi a terceira tentativa, e a única bem-sucedida, para retirada de intrusos na TI Apyterewa, homologada pelo governo federal em 2007.

Desta vez, o plano de ação determinado pelo STF contou com a participação de 14 órgãos federais e estaduais. A área total do município de São Félix do Xingu (PA), 6º maior do Brasil, é de mais de 84 mil quilômetros quadrados. Apesar da grande extensão territorial, equivalente à soma dos territórios dos Estados do Rio de Janeiro (RJ) e Espírito Santo (ES), a população é de apenas 65 mil pessoas, com cerca de 2,5 mil indígenas.

“A visita técnica solicitada pelo ministro Barroso no contexto da ADPF 709 teve objetivo de verificar o progresso no processo de desintrusão, avaliar a potencial efetividade das soluções propostas para sustentabilidade da desocupação após a saída das forças de segurança, bem como identificar possíveis pontos a serem trabalhados para a melhoria da saúde indígena”, explicou o assessor especial da Presidência do STF Marcelo Varella.

Desmatamento

De acordo com o Centro de Monitoramento Remoto da Funai, a região da TI Apyterewa foi a área de floresta amazônica mais desmatada entre os anos de 2019 e 2022. A malha viária precária e as vias de difícil acesso, que exigem muitas horas no deslocamento terrestre entre as localidades, são fatores que dificultam o monitoramento de crimes ambientais. As disputas territoriais remontam à década de 1980, quando os primeiros invasores da terra indígena se instalaram na região.

O coordenador da operação de desintrusão é o assessor da Secretaria Geral da Presidência da República, Nilton Tubino. Ele avalia que o conjunto de esforços envolvidos viabilizou o sucesso da operação. “A fase de retirada de pessoas e do gado da região foi concluída em 22 de dezembro do ano passado. O que, agora, a Funai e a Força Nacional estão fazendo, com apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), é percorrer as áreas envolvidas para o processo de consolidação da desintrusão, com desfazimento de estruturas que ainda permaneçam no local”, pontuou Nilton Tubino.

Durante a visita, a comitiva oficial realizou o monitoramento de pontos críticos locais, com sobrevoo de helicóptero militar em áreas de garimpos, desmatamentos, pastagens, bases operacionais e propriedades nos arredores da TI, inclusive com vistoria na antiga Vila Renascer, onde viviam os ocupantes ilegais, para fins de verificação do cumprimento da desintrusão. No ápice da invasão, cerca de 200 habitações foram erguidas no local. Hoje, só sobraram as ruínas das edificações. Também houve um conjunto de diálogos para escutar as populações indígenas e os atores envolvidos nas ações de desintrusão.

Uma cena verificada na localidade comoveu boa parte dos integrantes da comitiva. Cerca de 150 animais de estimação, entre cães e gatos, foram abandonados pelos ocupantes ilegais. Apesar de muitos deles terem sido alocados em instalações específicas da antiga vila, e de não haver mais moradores no local, alguns animais ainda vivem entre os escombros das moradias destruídas, como se aguardassem o retorno dos tutores. Servidores do Ibama disseram que a situação é preocupante, pois muitos animais precisam de cuidados específicos e as condições do local são precárias. A maioria já foi castrada e, recentemente, foi criada uma campanha para viabilizar a adoção dos que foram deixados para trás.

 ADPF 709

A ADPF 709 é uma ação movida no STF pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ao analisar o caso, o presidente do Tribunal determinou que a União elaborasse não só o plano para a retirada de invasores, mas, também, outro plano de ação para aperfeiçoar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Na decisão, o ministro Barroso intimou o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério da Defesa (MD) para que, sob a coordenação da SG-PR, executassem o plano para expulsão de invasores da TI. Já o aperfeiçoamento do SasiSUS ficou sob responsabilidade do Ministério da Saúde (MS), e o monitoramento da execução do plano foi designado à Controladoria-Geral da União (CGU).

Em relação ao monitoramento da situação atual, o assessor especial da Presidência do STF, Matheus Casimiro, ressaltou que as imagens captadas na visita são essenciais para a ADPF 709. “Durante a desintrusão, muitas narrativas foram criadas sobre o que estaria ocorrendo nessa localidade, com apresentação de relatórios e petições para a paralisação das atividades. Mas uma coisa é o que está no processo, e outra coisa é o STF estar no local do problema e registrar a realidade. Os registros feitos demonstram que a região está livre de invasores, possibilitando não só a percepção sobre outros aspectos relacionados à vida das pessoas que vivem ali, mas, também, sobre os impactos da desintrusão em cada uma delas”, pontuou.

Aldeia Apyterewa

No dia 3 de fevereiro, a comitiva oficial fez uma visita à Aldeia Apyterewa. O grupo de trabalho foi recebido pelo povo parakanã para discutir assuntos de interesse da comunidade. Além de apoio na segurança para monitoramento do território, evitando que os invasores retornem ao local, eles disseram que há escassez de água potável, e pediram ajuda para questões referentes à saúde e saneamento básico nas aldeias da região. Outro ponto discutido foi a destinação do gado e bens apreendidos na desintrusão da TI.

“Agora, o pensamento do povo parakanã é reocupar o território para que as coisas melhorem. O plano é fundar mais sete aldeias na área, evitando que os invasores voltem”, disse o cacique da Aldeia Apyterewa, Tyé Parakanã. Ele afirma que o principal problema da comunidade era a presença dos invasores na TI, e que os indígenas estavam sem esperança em relação à saída dos invasores. “Com muita luta, a gente conseguiu. A desintrusão nos deixou livres. A gente está agradecendo o trabalho que foi feito, mas ainda temos muitos problemas graves por aqui”, afirma o cacique Tyé.

Quem participou dos debates na aldeia foi a juíza auxiliar do CNJ Fabiane Pieruccini. Após a reunião, a magistrada reforçou a importância do legado da operação, e disse como essa experiência pode contribuir com a pacificação de outros conflitos no país. “Eu atuo com a questão territorial e, dentro dela, com as construções coletivas de soluções para áreas de conflitos fundiários. Eu acho que essa iniciativa do Supremo é inédita, e que o foco não está só na solução formal, mas, também, material da questão. O papel do Poder Judiciário não é só resolver processo, mas viabilizar a sua sustentabilidade. O processo foi resolvido e, agora, a gente precisa aplicar os meios necessários para que a decisão seja efetivamente cumprida.”

A visita foi organizada pela Presidência do STF e também contou com servidora e juízas auxiliares do CNJ, além de assessores da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Confira as fotos da missão Apyterewa no Flickr do STF

PS/MO

 

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