Covid-19: ministro mantém validade de decreto estadual que proíbe transporte fluvial no Amazonas
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu parcialmente liminar na Reclamação (RCL) 39871, na qual a União questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que, a após declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Medida Provisória 926/2020 que exige recomendação técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para restrição de transporte de passageiros, reconheceu a validade do decreto estadual que proibiu o transporte fluvial de passeio no estado como medida de combate à pandemia da Covid-19. De acordo com Barroso, embora a declaração incidental do dispositivo tenha afrontado decisões liminares proferidas pelo ministro Marco Aurélio nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6341 e 6343, em que foi reconhecida a validade da legislação federal, a decisão questionada aponta omissão da Anvisa e ressalta que o decreto estadual não alcança o transporte de caráter essencial. Com isso, permanece válida a proibição.
Na reclamação, a União alega que a matéria debatida poderia desestabilizar o pacto federativo e, por isso, seria da competência do STF o processamento e o julgamento da ação civil pública em que a liminar foi proferida. Também sustenta que a decisão questionada viola as liminares concedidas nas ADIs 6341 e 6343. Mas, de acordo com Barroso, o caso revela “conflito pontual no exercício de competências legislativas concorrentes e político-administrativas comuns” e não há, a princípio, a alegada usurpação da competência do STF. O ministro deferiu parcialmente a liminar apenas para declarar que a decisão questionada afronta as liminares concedidas pelo ministro Marco Aurélio, mas reconheceu que isso não altera o resultado prático a que chegou o Juízo da 1ª Vara Federal do Amazonas, em decisão mantida pelo TRF-1.
O relator explicou que, de acordo com as liminares concedidas nas duas ADIs, o artigo 3º, inciso VI, da MP 926/2020 permanece eficaz, mas não impede aos entes regionais e locais a prática de atos inseridos na sua esfera de competência. O dispositivo estabelece que as autoridades poderão impor restrição excepcional e temporária de locomoção intermunicipal, conforme recomendação técnica e fundamentada da Anvisa; e que, se afetarem a execução de serviços públicos e atividades essenciais, as medidas somente poderão ser adotadas em ato específico e mediante articulação prévia com a esfera federal. Segundo Barroso, no entanto, a decisão da Justiça Federal evidencia a omissão da Anvisa em relação ao transporte fluvial e destaca que a medida imposta no decreto estadual não afeta serviços públicos e atividades essenciais.
Decreto estadual
Em observância às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, o governo do Amazonas editou o Decreto 42.087/2020, que determina, entre outras medidas, a suspensão do serviço de transporte fluvial de passageiros. Posteriormente, a Presidência da República publicou a Medida Provisória 926/2020, que altera a Lei 13.979/2020, sobre a adoção de providências para combate ao novo coronavírus. Com isso, as Defensorias Públicas da União e do Estado do Amazonas, em ação civil pública contra a União, noticiaram que a Marinha do Brasil passou a entender que não deveria mais cumprir o decreto estadual e decidiu autorizar o livre fluxo de passageiros no Amazonas.
O Juízo da 1ª Vara Federal do Amazonas, em decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), deferiu a liminar em que declarou incidentalmente inconstitucional o inciso VI do artigo 3º da MP 926/2020, por ser tratar de “medida desproporcional com a realidade fática do interior do Estado do Amazonas”. Segundo o jupizo, a nota técnica em que a Anvisa recomenda aos passageiros que lavem as mãos e usem álcool em gel era insuficiente para a realidade local, pois, além de não haver equipe de fiscalização nos portos do Amazonas, o transporte de passageiros em barcos de passeio é caracterizado por aglomerações. O juiz determinou então que a Marinha cumprisse imediatamente o decreto estadual e ressaltou ainda os riscos que a inobservância das medidas de contenção do vírus pode causar às populações indígenas. Foi ressalvada apenas a circulação de policiais e agentes de saúde e o transporte de carga.
Jurisprudência
Para o ministro Barroso, o pedido de ingresso do Estado do Amazonas na ação civil pública originária não basta para atrair a competência do Supremo, como alegava a União. O ministro explicou que, de acordo com a jurisprudência do STF, somente o litígio entre entes políticos com potencialidade de desestabilizar o pacto federativo se sujeita à competência originária do Supremo, o que não é o caso dos autos.
Barroso deferiu em parte o pedido cautelar para suspender os efeitos da decisão do TRF-1 apenas no que diz respeito à declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso VI, da MP 926/2020. “Considero, porém, que tal comando não afeta o resultado prático do ato impugnado, permanecendo válida a proibição ao transporte fluvial para fins de passeio no Estado do Amazonas”, concluiu.
VP/AS//CF
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