Para entidades da área de Bioética, aborto é questão de saúde pública
O tempo da última exposição desta sexta-feira (3) na audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a ADPF 442 que pede a descriminalização do aborto foi dividido por três expositores. Pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), o médico Dirceu Bartolomeu Greco defendeu que a discussão sobre questões de saúde pública – entre as quais inclui o aborto – só é possível quando se supera o debate moralizante e estigmatizante sobre sexualidade. Greco lembrou que a criminalização significa prisão, e argumentou enfaticamente contra essa possibilidade. “Alguém, em sã consciência, defende isso?”, questionou. “É necessário que o Estado tenha posição firme em defesa do direito das mulheres de se emanciparem para tomar essa decisão, e assegure seu acesso a um atendimento adequado e seguro”.
O pediatra e doutor em Saúde Coletiva Sérgio Tavares de Almeida Rego, também representando a SBB, deu um emocionado depoimento pessoal. Recém-formados, ele e sua esposa tiveram trigêmeos prematuros, e o único bebê que sobreviveu teve sequelas neurológicas. Pouco depois, diante de uma nova gestação, o casal decidiu interromper a gravidez por não ter condições de dar a assistência exigida pelo primeiro filho e ainda cuidar de um segundo. O médico lembrou que o planejamento familiar também é sujeito a falhas. “Não somos máquinas. Precisamos de um aborto não por sermos irresponsáveis ou mesquinhos, mas porque falhamos. No nosso caso, como médicos, não corremos risco de vida ao tomar essa decisão, mesmo na clandestinidade. Mas é preciso acabar com essa hipocrisia”, concluiu.
Em nome do Instituto de Biodireito e Bioética (IBIOS), a doutora em Direito e em Ciências Heloisa Helena Gomes Barbosa, última expositora, sustentou que, com o desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida, a criação e o congelamento de embriões deram à mulher e ao homem plena disposição sobre eles, que podem ser descartados. “As clínicas que conservam os embriões podem descartá-los inclusive no caso de descumprimento dos contratos”, argumentou. “Isso interrompe o processo de desenvolvimento da vida e não é crime. O que difere uma situação da outra?”, questionou. Para a expositora, a penalização do aborto é uma “pseudoproteção anacrônica” por desconsiderar esses aspectos. “A vida deve ser protegida em todas as fases, mas de modo diferenciado e adequado ao momento de desenvolvimento. A tutela ao embrião de até três meses deve ter menor intensidade”, concluiu.
CF/VP