Supremo concede Extradição de australiano acusado por tráfico ao governo da Espanha

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, deferiu pedido de Extradição (Ext 877) formulado pela Espanha contra o australiano Garry Frans Donald de La Roche por suposta prática de crime de tráfico de drogas. A ordem internacional da prisão preventiva de Garry Frans foi expedida em 2002 pelo Juizado Central de Instrução número dois da Audiência Nacional. No Brasil, sua prisão preventiva foi efetivada em 8 de abril de 2003. Ele foi acusado, na Espanha, pela prática de crime contra a saúde pública, previsto nos artigos 368 e 369, do Código Penal Espanhol, por ter sido receptor de 50 quilos de haxixe.
Ao ser interrogado, Garry Frans negou envolvimento com os fatos ilícitos e pediu o indeferimento do pedido de Extradição. Sua defesa sustentou que o pedido de prisão preventiva foi irregular, fato que contaminaria o próprio pedido de extradição. Argumentou-se ainda que não foi respeitado o artigo 80, da Lei 6.815/80, no qual se postula que o pedido de Extradição dever ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por juiz ou autoridade competente. Além disso, esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido deverá conter indicações precisas sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias do fato criminoso, a identidade do extraditando, e, ainda, a cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.
De acordo com a defesa, faltou no pedido de prisão preventiva cópia do texto legal espanhol referente ao prazo prescricional previsto para o fato narrado; a sentença penal condenatória; a citação do processo na Espanha; além de ter havido excesso de prazo na prisão, extravasando o prazo legal prescrito na Súmula 2 do STF, em que se diz: “concede-se liberdade vigiada ao extraditando que estiver preso por prazo superior a sessenta dias”..
Em sustentação oral, o advogado de Garry Frans, João Ribeiro de Morais, alegou que ficou desatendida a primeira exigência do item 2, do artigo 9, do Tratado de Extradição entre Brasil e Espanha, reiterando também o desrespeito ao artigo 80, da Lei 6.815/80. Segundo ele, não consta da ordem de prisão preventiva do acusado qualquer indicação precisa do fato que lhe é imputado. Frisou ainda a falta dos textos legais espanhóis pertinentes à prescrição. Citou, entre outras, decisão do julgamento da Extradição 667, pelo STF, em que se firmou o seguinte entendimento: informações não autenticadas e incompletas trazidas pela defesa não podem suprir falhas da documentação exigível do Estado requerente.
De acordo com parecer do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, “o pedido extradicional do Reino da Espanha reúne condições para ser deferido, sendo que os argumentos expendidos pela defesa do ora extraditando não merecem acolhida”. Afirmou que o pedido realmente não foi instruído com cópia do texto legal referente à prescrição, mas, “a fim de evitar maiores delongas”, foi feita consulta via internet ao Código Penal Espanhol para sanar a questão. Verificou-se que para o delito imputado ao extraditando pela Espanha, a pena máxima é de nove anos e o prazo prescricional de 10 anos. Assim, não houve prescrição da pretensão punitiva. Por fim, Fonteles opina pela concessão do pedido.
Em seu voto, o ministro relator, Carlos Velloso, acolheu o parecer do procurador-geral. Segundo ele, no processo de Extradição brasileiro vigora o sistema de contenciosidade limitada, conforme disposto no artigo 85, parágrafo 1º da 6.815/80, segundo o qual “a defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição”. O STF reconheceu a constitucionalidade do dispositivo no julgamento da Extradição 669.
De acordo com a decisão, ao deliberar sobre pedido de Extradição, só excepcionalmente o STF analisa aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal. Isso ocorre quando se torna indispensável a solução de eventual controvérsia concernente à ocorrência de prescrição penal; à observância do princípio da dupla tipicidade; ou à configuração eventualmente política do delito imputado ao extraditando. Mesmo em tais hipóteses excepcionais, a apreciação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal deverá ter em consideração a versão emergente da denúncia ou da decisão emanadas de órgãos competentes no Estado estrangeiro.
Carlos Velloso argumentou que “o Estado requerente instruiu o pedido com os documentos exigidos”. Além disso, “respeitou-se o prazo legal entre a comunicação da prisão preventiva e o requerimento formal da extradição”, conforme o requerido pelo artigo 82, parágrafo 2º, da Lei 6815/80. Também está configurada a dupla de tipicidade, pois o delito imputado a Garry Frans pela Espanha, crime contra saúde pública, tem correspondência no Brasil como delito de tráfico de drogas.
O ministro Marco Aurélio foi o único que divergiu do relator, afirmando que “a documentação que revela a disciplina da prescrição do governo requerente consubstancia sim fato constitutivo do pedido formulado”. E questionou se é possível suprir a exigência legal por busca na internet quanto à legislação do país estrangeiro. Segundo ele, o artigo 80, da Lei 6.815/80, é explicito e que, portanto, o pedido foi formalizado sem atender as exigências legais. Por esse motivo, indeferiu o pedido de Extradição.
Ministro Carlos Velloso, relator da Extradição (cópia em alta resolução)
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