Direito ao esquecimento não é apagar fatos ou reescrever história, afirma professor da Uerj

12/06/2017 15:00 - Atualizado há 8 meses atrás

Em nome do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), o professor Anderson Schreiber, do programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmou que o direito ao esquecimento é reconhecido em alguns países da Europa ocidental, entre os quais Itália e França, como um desdobramento do direito fundamental à privacidade. Segundo ele, o conceito corresponde ao direito de uma pessoa de não ser perseguida pelos fatos do passado, que já não mais refletem sua identidade atual e impedem que seja publicamente reconhecido pelo que é.

Para o professor, não se trata de um direito ao ocultamento ou da mentira, mas sim da verdade e a favor da história completa, que não apresente o ser humano apenas por meio de um rótulo do passado que já não corresponda à realidade. Em seu entendimento, esse é um direito da pessoa humana que se exerce em face do Estado, mas também se aplica no direito privado em relação a qualquer entidade que tenha a capacidade de efetuar uma projeção da pessoa sobre o espaço público.

Ele citou como o exemplo as pessoas transexuais que, após a mudança de sexo, não devem ser apresentadas, pelo Estado ou pela mídia, como alguém que nasceu homem e se tornou mulher ou vice-versa, pois caso esse fato do passado, embora verdadeiro e público, for constantemente recordado, “a sua apresentação à sociedade será sempre deturpada pois dará excessivo peso a um fato do passado obscurecendo sua identidade presente”.

O professor observou que o direito ao esquecimento não se trata de um direito de apagar os fatos ou a de reescrever a história, mas sim o direito de que a exposição pública da pessoa humana seja sempre feita de modo contextualizado e que seu passado não seja transformado em seu presente sem uma forte justificativa. “Trata-se não de um direito contra a liberdade, mas um direito indispensável de assegurar a liberdade ao ser humano de seguir o próprio caminho ao longo da vida, sendo visto pela sociedade como quem realmente é”.

Segundo ele, o direito ao esquecimento não deve ser guiado pelo capricho ou pelo interesse do retratado de não ser lembrado contra sua vontade, ou seja, não pode se tornar um direito de propriedade sobre acontecimento pretéritos, de forma que a recordação pública dos fatos dependa unicamente da vontade de alguém envolvido no assunto. Em sua opinião, tratado dessa forma, o direito ao esquecimento é “flagrantemente” incompatível com a Constituição Federal ,que tutela não só o direito à privacidade, mas também o direito de acesso da população à informação.

Ele explica que essa versão voluntarista do direito ao esquecimento representa uma ameaça à pesquisa histórica e, especialmente, nas pesquisas na internet, pois permitiria a qualquer usuário moldar à sua vontade os resultados relativos à busca do seu nome ou a fatos públicos nos quais tenha se envolvido formando o que chamou de “uma internet de cada um”.

Segundo ele, o caminho para impedir esse cenário, que classificou como “sombrio”, não seria o de abolir o direito ao esquecimento na esfera privada, mas sim aplicá-lo de forma criteriosa atentando não para a vontade do sujeito retratado, para o que ele quer ou não que venha a público, mas sim para a situação objetiva, que revele que aquela projeção específica do ser humano na esfera pública, com base em uma condição pretérita efetivamente compromete ou impede a realização de sua personalidade no momento atual.

PR/EH

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