Brindeiro diz que Marco Aurélio é sensível às questões sociais

31/05/2001 17:15 - Atualizado há 8 meses atrás

Falando em nome do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, classificou hoje (31/05) o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, como um jurista de perfil liberal e progressista, “defensor intransigente das liberdades e com grande sensibilidade às questões sociais”.


Para Brindeiro, o presidente do STF vem de uma nova geração de juristas da melhor estirpe, “amante da polêmica na medida em que o contraditório leve à aplicação do melhor Direito e da melhor Justiça”.


O procurador-geral da República lembrou que o próprio ministro Marco Aurélio definiu-se como um Dom Quijote de La Mancha, “atento às injustiças da humanidade e da própria vida”, numa referência ao personagem do escritor espanhol Miguel de Cervantes.


Eis o discurso, na íntegra:


“Senhoras e Senhores,



O Supremo Tribunal Federal é o guardião máximo da Constituição e das liberdades. É ainda, como Tribunal da Federação, o vigia da unidade do Direito Nacional. A Constituição brasileira de 1988, no âmbito da ordem econômica e social, estendeu ainda mais, como nunca na História da Corte, suas graves responsabilidades na proteção da ordem jurídica democrática no país. “Equal Justice under Law”, Justiça igual para todos segundo o Direito, é a frase inscrita no frontispício do prédio da Suprema Corte dos Estados Unidos da América que inspirou a criação no Brasil, nos primórdios da República, do Supremo Tribunal Federal.



O Eminente Ministro MARCO AURÉLIO, que hoje assume a Presidência desta Colenda Suprema Corte, é jurista de perfil liberal e progressista, defensor intransigente das liberdades e com grande sensibilidade às questões sociais. As qualidades morais e intelectuais de S. Exa. são conhecidas de todos. Vindo de uma nova geração de juristas da melhor estirpe, amante da polêmica na medida em que o contraditório leve à aplicação do melhor Direito e da melhor Justiça, não poupa energias nos debates com sua inteligência e o seu talento na defesa de suas convicções, enriquecendo a jurisprudência deste Excelso Pretório.



Sua formação humanística e profissional, seu idealismo e apaixonado compromisso com princípios, faz-me lembrar o Justice HUGO BLACK da Suprema Corte Americana – “The Great Dissenter” – defensor da doutrina da absoluta liberdade de expressão, nos moldes da 1ª Emenda à Constituição Americana, e que, ao lado dos Justices DOUGLAS e BRENNAN e do Chief Justice WARREN tanto contribuiu para a evolução do ativismo judicial na defesa das liberdades e dos direitos civis. Lembra-me ainda o pensamento do Professor norte-americano RONALD DWORKIN, autor dos livros “Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Constitution” (Direito da Liberdade: A Leitura Moral da Constituição Americana) e “Taking Rights Seriosly” (Levado a Sério os Direitos), em que distingue princípios de políticas públicas.



Este Colendo Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua jurisdição constitucional, com a dimensão política de suas responsabilidades, no sentido mais puramente helênico, como diria o Saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO, ex-Presidente desta Casa, é extremamente enriquecido com a diversidade do perfil dos seus Eminentes Juízes, prestigiando os valores essenciais exigidos pela sociedade.



Professor universitário, ex-advogado militante, ex-membro do Ministério Público do Trabalho, ex-Juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, o Eminente Ministro MARCO AURÉLIO foi nomeado em 1981 Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, com pouco mais de 35 anos de idade, idade mínima prevista na Constituição para o cargo. E, após operosa e frutífera experiência de nove anos na mais alta Corte Trabalhista, foi nomeado em 1990, com apenas 43 anos de idade, Ministro do Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da aposentadoria do Saudoso Ministro CARLOS MADEIRA.



Do seu extenso curriculum vitae destacam-se inúmeras conferências e palestras proferidas em congressos nacionais e internacionais e trabalhos e estudos publicados em revistas jurídicas especializadas. É ainda membro de importantes instituições jurídicas e profissionais, tendo sido condecorado com as mais altas comendas e honrarias nacionais.



Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral no biênio 1996-1997, naquela Corte presidiu o Eminente Ministro MARCO AURÉLIO com grande êxito as primeiras eleições informatizadas em 1996 e caracterizou-se por preconizar jurisprudência e doutrina não restritiva de direitos políticos na interpretação das inelegibilidades. Neste Colendo Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado sobretudo pela sua vigorosa defesa da amplitude da jurisdição do Habeas Corpus, do contraditório e da ampla defesa, e da doutrina do devido processo legal, tanto o procedural como o substantive due process of law nas suas versões originárias do Direito Constitucional Anglo-Americano desenvolvido por construção jurisprudencial, abrangendo na sua compreensão o devido processo legislativo e as jurisdições penal, civil e administrativa, tal como estabelecido no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Brasileira.



Com sua intensa e profícua atividade judicante, merecedora do valioso reconhecimento do Eminente Ministro OCTAVIO GALLOTTI ao referir-se em discurso ao seu “saber jurídico, dinamismo e senso de organização de trabalho”, o Eminente Ministro MARCO AURÉLIO tem-se revelado um homem do seu tempo, e magistrado talvez à frente do nosso tempo – quiçá na compreensão tridimensional do tempo simultaneamente passado, presente e futuro de GILBERTO FREYRE – valendo a lúcida observação do ilustre Mestre do Direito Comparado Professor RENÉ DAVID: “certos votos vencidos de hoje podem ser o anúncio do novo Direito que surge”.



Com acuidade jurídica própria, cultura geral e imaginação criadora, o novo Presidente do Supremo Tribunal Federal define-se como um Don Quijote de La Mancha, atento às injustiças da humanidade e da própria vida. Sonha é preciso, diz ele. É, nas palavras de MIGUEL DE CERVANTES: “Sonhar o sonho impossível. Vencer o inimigo invencível”. Não há sonhos impossíveis, nem inimigos invencíveis.



São suas próprias palavras no discurso de posse como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral:


“… prestam um desserviço à Magistratura aqueles que não elegeram a bondade, a compreensão desapaixonada, a visão predispostamente flexível, a serenidade e lucidez de propósitos como instrumentos de trabalho. A esses que sucumbiram ao ceticismo, à amargura, aos ressentimentos advindos com as inevitáveis desventuras, cabe partir em busca de outros afazeres, porquanto a Justiça há de requerer sempre o tributo da fé na célere caminhada da humanidade em direção ao bem comum”.



E acrescenta logo mais adiante, o Eminente Ministro MARCO AURÉLIO:


“… a Democracia, por sua vez filha amada e inseparável da Liberdade, condição primeira e única vertente para a plenitude a que destinado o homem.


………………………………………………………………………………………………………………………………


É manter o otimismo e trabalhar a favor, vencendo eventuais obstáculos peculiares a todo início de caminhada. Sem alarde, a Democracia consolida-se irreversivelmente no nosso País e, nos dias de hoje, é uma realidade insofismável”.



E arremata, em seguida:



“Alquimistas do Direito, usaremos não critérios ditados pelas circunstâncias ou pelo humor de segmentos da sociedade, quase sempre decorrentes de sensacionalismos, mas os estampados em normas legais e constitucionais. Teremos sempre presente a máxima de que, sendo o Direito uma ciência, o mesmo justifica o fim, e não este aquele”.



Em pronunciamentos recentes tem o novo Presidente do Supremo Tribunal Federal observado a necessidade de realizar reformas no Judiciário, sobretudo relativamente a normas processuais para evitar o formalismo excessivo, anacrônico e burocrático, e a proliferação de recursos meramente protelatórios. Confere S. Exa. maior relevo às reformas infraconstitucionais – do que constitucionais – para combater a morosidade e promover a celeridade da Justiça. E critica o acúmulo excessivo de processos repetitivos nos Tribunais Superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal, e o que denomina “instabilidade normativa” – isto é, as mudanças constantes das normas jurídicas, o que prejudica a gradual formação e consolidação da jurisprudência e da doutrina pela exegese, dificultando a prestação jurisdicional e a eficácia das decisões judiciais.



Finalizando, apresento a V. Exa. Senhor Presidente Ministro MARCO AURÉLIO, em meu nome pessoal e no do Ministério Público Brasileiro, nossos melhores votos de muitas felicidades e pelo êxito no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal. Temos todos certeza e confiança na sabedoria com que V. Exa. se desincumbirá das responsabilidades da nova investidura na mais alta magistratura do Poder Judiciário no País. E esta certeza se enfatiza ainda mais por ter V. Exa. ao seu lado na Vice-Presidência deste Excelso Pretório, o Eminente Ministro ILMAR GALVÃO, cuja experiência, inteligência, saber jurídico, operosidade e descortino certamente engrandecerão a gestão de V. Exa. na direção deste Colendo Supremo Tribunal Federal.



Concluo minhas palavras, Senhor Presidente, invocando mais uma vez a condição desta Excelsa Corte de Guardiã da Liberdade, pois sem ela não há direito que sobreviva, muito menos Justiça, e nunca haverá Paz. E recordo o pensamento do jurista RUDOLF VON IHERING, na sua obra “A Luta pelo Direito” quando diz: “O Direito não é pura teoria, mas uma força viva… é um trabalho incessante, não somente dos poderes públicos, mas ainda de uma nação inteira”.



Muito obrigado”.



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