STF discute atuação do MP como substituto processual em casos de investigação de paternidade (atualizada)

08/08/2003 17:18 - Atualizado há 9 meses atrás


Os ministros do Supremo Tribunal Federal julgaram (7/8) a possibilidade do Ministério Público atuar como substituto processual em casos de investigação de paternidade. Por maioria, o Plenário decidiu que o caso (RE 248869) deve ser analisado pelo Tribunal de origem, julgando como entender de direito.


 


O Recurso Extraordinário 248869 foi interposto em uma Ação de Investigação de Paternidade cumulada com pedido de alimentos, que foi assinada pelo Ministério Público do estado de São Paulo. O promotor de Justiça assistia o menor D. A. S. , assim como sua mãe e representante na lide, o que foi contestado pelo suposto pai da criança – réu no processo –  que suscitou a ilegitimidade do MP para atuar como substituto processual na disputa judicial, e a inconstitucionalidade do parágrafo 4º, do artigo 2º, da Lei nº 8.560/92 (que regula a investigação de paternidade dos filhos tidos fora do casamento), por ofensa ao direito à intimidade.


 


A polêmica na ação está na questão de ser ou não o Ministério Público parte legítima para agir como substituto processual, na defesa dos interesses da mãe e do menor. O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar um agravo de instrumento interposto pelo possível pai do menor, sustentou que, no caso, o MP não poderia atuar, porque não estava a defender interesse público coletivo ou difuso, pelo contrário, propôs ação em favor de menor representado por sua mãe, que só teria recorrido ao MP por ser pobre.


 


O TJ/SP entendeu, em sua decisão, que a ação deveria ser proposta pela Defensoria Pública, devido à insuficiência de recursos da mãe, que não poderia custear as despesas com exames de comprovação da paternidade. Inconformado, o Ministério Público paulista interpôs Recurso Extraordinário, que chegou ao STF.


 


O relator do processo no Supremo, ministro Maurício Corrêa, destacou em seu voto que o Ministério Público preencheu os requisitos constitucionais e extraordinários permitidos à substituição processual e, assim, pôde garantir a regularidade da ação, como representante dos direitos individuais e indisponíveis.


 


O ministro salientou que cabe à mãe a iniciativa de indicar a paternidade do filho que ela gerou, preservando-se, dessa forma, disse ele, “o caráter personalíssimo da ação e o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que é o direito à filiação”.


 


“Assim”, completou o relator, “desde que provocado pela representante legal do menor interessado (…), pode e deve o Ministério Público, havendo elementos suficientes, propor a ação de investigação de paternidade”. Segundo consta do processo, foi a mãe do menor que procurou o Ministério Público apresentando dados para a investigação.


 


Maurício Corrêa não aceitou a alegação do recorrido de violação de sua intimidade, pois, “tal preceito, como se sabe, deve ser entendido com temperamento, sobretudo quando se trata de situação que põe em jogo vida de menor que merece, da ação estatal, o amparo indispensável”.


 


Para o relator, a argüição de afronta à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna de forma a eximir o pai biológico dos deveres resultantes de um ato de sua vontade e que se sabe passível de gerar vínculos familiares. Dessa forma, deu provimento ao Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público paulista, para determinar a remessa dos autos ao TJ paulista a fim de que julgue o caso como achar melhor.


 


O ministro Carlos Velloso, na seqüência, lembrou que a Lei nº 8.560/92 foi revogada pelo novo Código Civil, que resguardou somente ao filho o direito de ajuizar Ação de Investigação de Paternidade.


 


O ministro Marco Aurélio, porém, divergiu, defendendo a necessidade de “se sopesar o valor da família”. De acordo com ele, a proteção da infância é alvo de preocupação. No entanto, várias famílias têm sido abaladas por ações de investigação de paternidade. Marco Aurélio destacou a surpreendente ausência da Defensoria Pública em São Paulo – maior ente da Federação – e que tem seu papel substituído pela Procuradoria Geral do estado. Elogiou o voto do relator, mas enfatizou o caráter personalíssimo da Ação. Ele considera que o Ministério Público não pode agir como substituto processual, atuando em nome próprio, no lugar da mãe.


 


“No caso”, afirmou, “não vejo como reconhecer ao Ministério Público a possibilidade de, com ou sem a autorização da genitora, marchar no sentido de ajuizar em nome próprio, como ocorreu (a regra é que o titular do próprio direito substancial ingresse em juízo), Ação de Investigação de Paternidade”. Para ele, a mãe deveria ter recorrido à Procuradoria do Estado para obter assistência jurídica gratuita, em substituição à função do defensor público. Aurélio negou provimento ao RE.


 


Já o ministro Joaquim Barbosa, que acompanhou o relator, disse não conseguir dissociar a figura da “monopaternidade” – quando o pai ou a mãe, na condição de solteiro, exerce integralmente a função do casal – de outros aspectos sociais como a criminalidade e a pobreza. “A mãe se incumbe, sozinha, da guarda dos filhos, do comando da casa, sendo que, em boa parte dos casos, sabe quem é o pai, que se recusa a reconhecer a paternidade”, frisou. 


 


A discussão tornou-se ainda mais contundente, quando os ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim questionaram o papel do promotor de Justiça frente à Lei nº 8.560/92: teria o Ministério Público legitimidade autônoma ou dependeria de provocação da mãe? O Ministério Público pode assumir tarefa que supostamente seria da Defensoria Pública?


 


No caso, a mãe tinha provocado, mas Pertence ressaltou que a lei, “em nenhum momento, se impõe a iniciativa da mãe, ainda que seja junto ao Ministério Público, como condicionante nessa lei”, tampouco se refere à substituição processual do filho pelo MP.


 


Mesmo entendimento tem Nelson Jobim, que só acompanhou o voto do relator no tocante ao caso em questão, pois restringe a autonomia do Ministério Público para representação em substituição processual. “A legitimação extraordinária absoluta do Ministério Público, independente da manifestação da mãe representa, a meu juízo, uma enorme intervenção em algo que seria do Estado na intimidade das pessoas. Isto representaria um Estado totalitário de absoluta disponibilidade dos assuntos em relação ao próprio Ministério Público”.Nesse caso concreto, acredita o ministro, esse aspecto está superado porque houve provocação da mãe do menor e não havia defensor público no local.


 


Por sua vez, o ministro Cezar Peluso entende que a lei quis dar legitimação extraordinária ao Ministério Público para suprir as hipóteses de omissões das mães em requererem a investigação. Ele afirmou não ver qualquer incompatibilidade da lei com o novo Código Civil: “Simplesmente repetiram um sistema original do Código anterior, que estabeleceu a óbvia legitimidade do filho na ação de filiação, mas não regulou a matéria da legitimação do Ministério Público”.


 


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Ministro Maurício Corrêa, relator do RE (cópia em alta resolução)


 


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