Ministros negam HC a suposto integrante de quadrilha no Mato Grosso (republicado)
Os ministros do Supremo Tribunal Federal negaram ontem (1º/7) o pedido de Habeas Corpus (HC 83157) impetrado em favor de Valdir Piran, acusado pelas práticas dos crimes de extorsão, cárcere privado, formação de quadrilha e de sonegação fiscal. Ele foi preso preventivamente e pedia para responder o processo em liberdade.
Durante o julgamento também foi suscitado o papel do Ministério Público nas investigações criminais. O ministro-relator, Marco Aurélio, entendeu que a instituição não tem poderes para tomar depoimentos e conduzir as investigações em matéria criminal, somente podendo agir assim nos Inquéritos de natureza civil, conforme prevê a Constituição Federal.
O advogado José Eduardo Alckmin, em sua sustentação oral, reiterou as alegações feitas no pedido de Habeas Corpus e frisou a inconsistência do depoimento da testemunha Joaci das Neves que teria relatado fatos fantasiosos ao Ministério Público. As denúncias de Neves teriam baseado a acusação do MP e ensejado a prisão preventiva de Valdir Piran. Segundo Alckmin, Joaci das Neves é um desequilibrado mental, vítima de um tiro na cabeça quando era militar – e que teria lhe causado lesões cerebrais – não possuindo qualquer fundamento as acusações feitas.
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, por sua vez, rebateu as afirmações da defesa, salientando que o juiz, ao decretar a prisão preventiva de Valdir Piran, baseou-se nos fatos expostos na ação, e que teria deixado claro em sua decisão que “o acusado estaria violando a regularidade da instrução criminal, cometendo atos violadores do princípio ensejador da garantia da ordem pública”.
Fonteles citou os documentos anexados ao processo e que demonstrariam uma movimentação bancária das contas da empresa do acusado e dele próprio, “não correspondente às declarações de rendimentos à Receita Federal de aproximadamente R$ 171 milhões”. Isto é, disse o magistrado, ”trata-se de numerário sem nenhuma origem, o que dá respaldo à tese de que esteja efetuando a lavagem de dinheiro do narcotráfico”.
Quanto à discussão sobre a real função do Ministério Público no processo investigativo criminal, Fonteles declarou que “não há ilegalidade alguma em um procurador da República tomar o depoimento de alguém no seu gabinete. É até melhor que assim seja do que em delegacia de polícia. As razões são óbvias“.
Ele ressaltou, ainda, que em nenhum momento a defesa impugnou, diante do STF, “um único fato deste depoimento tomado pelo colega em relação à testemunha Joaci das Neves. Então, se a defesa não traz um único dado de ilegalidade na conduta de um procurador da República em tomar o depoimento de uma testemunha, num momento pré-processual, no momento da investigação criminal, então este depoimento não pode ser acoimado de ilegal”.
Claudio Fonteles frisou que o magistrado é o responsável pela condução da oitiva das testemunhas e, no caso de Joaci das Neves, se estivesse convencido de que havia irregularidade nas informações que estavam sendo prestadas, “poderia desconsiderar o testemunho, porque o juiz é quem tem poderes para controlar o juízo que se forma diante dele, porque ele é o juiz da causa“.
O procurador aproveitou a oportunidade para sustentar a viabilidade do Ministério Público investigar fatos criminosos, “e isso não significa dizer que termina o serviço da polícia”. “A investigação do Ministério Público há de ser sempre controlada pelo Poder Judiciário, como esse magistrado profanou e aceitou a investigação feita, porque sentiu coerência no que disse a testemunha Joaci das Neves”. Desta forma, ele opinou pela denegação do Habeas Corpus.
O relator do processo, ministro Marco Aurélio, ao ler o seu voto, salientou que “o exame da custódia preventiva há de fazer-se presente a excepcionalidade, reservando-se a medida para situações concretas, em que a liberdade do acusado represente perigo para os demais jurisdicionados”.
Marco Aurélio destacou em seu voto o posicionamento da 2ª Turma do STF que entendeu somente caber ao Ministério Público “promover o inquérito civil”. “Como titular da ação penal pública, acusador, impossível é conferir atividade investigatória, a presidência de audiências para a oitiva de testemunhas. Há de lançar mão, o Ministério Público, do que previsto no inciso VIII, do artigo 129, da Constituição Federal, requisitando ‘diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de manifestações processuais”, disse o relator.
De acordo com o ministro, o decreto de prisão preventiva não pode se sustentar no depoimento de Joaci das Neves, colhido pelos Ministérios Público Federal e Estadual. “Trata-se de peça ilícita, porque veio ao mundo jurídico à margem dos limites impostos pela Constituição Federal ao Ministério Público”.
O relator decidiu, no entanto, que a prisão preventiva deve ser mantida, em face dos depoimentos prestados, perante a CPI do Narcotráfico instalada pela Assembléia Legislativa do Mato Grosso, por duas outras testemunhas – José Jesus de Freitas e Valdir Pereira – que foram assassinadas, supostamente a mando de Valdir Piran, e que o haviam acusado de envolvimento com o tráfico de drogas. “Deve-se coibir a prática de atos que coloquem sob risco pessoas que desejem colaborar com o combate à delinqüência”, afirmou Marco Aurélio, e, da mesma forma, se deve resguardar a instrução penal.
A ministra Ellen Gracie acompanhou integralmente o relator e reforçou que a missão do Ministério Público é promover a investigação quando se trata de inquérito civil, “não devendo o mesmo acontecer no inquérito penal, onde atuará, mais tarde, como acusador”. Ellen Gracie entende que o Ministério Público não pode acumular essas duas tarefas: a de acusador e a de inquisidor.
Velloso também acompanhou o relator, mas fez questão de expressar que “não considera ilegal o fato de a testemunha ter prestado o seu depoimento perante o membro do Ministério Público”. Deu como exemplo a hipótese do agente do MP receber uma carta relatando fatos delituosos relativamente a uma certa pessoa: “Claro que esta carta vai valer! Agora, por que não vale o depoimento?”, questionou.
Segundo ele, é importante a ressalva, visto que ele é um dos integrantes da 2ª Turma que, “não obstante a importância do Ministério Público no contexto social, pensa que as investigações correm por conta da polícia. É o que está na Constituição, mas não chego ao ponto de impedir que o Ministério Público em certos casos, como neste, tome o depoimento de alguém e oriente as provas em que ele vai se basear para oferecer a denúncia e instaurar a ação penal da qual participou.”
Para contra-balancear, o ministro Joaquim Barbosa, que seguiu o voto do relator, também fez a ressalva de que não concorda com o ministro Marco Aurélio no tocante à ilegitimidade do Ministério Público para atuar nas investigações criminais. “A Constituição não criou o Ministério Público para ser um órgão inerte”, disse Barbosa, que completou: “o Ministério Público deve investigar sempre que fatos delituosos chegarem ao seu conhecimento”.
A decisão foi unânime.
Ministro Marco Aurélio: HC negado por unanimidade (cópia em alta resolução)
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