Em entrevista, Ayres Britto afirma que julgamento da AP 470 é técnico e consistente
Em entrevista após a sua última sessão no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, afirmou que a Corte tem julgado a Ação Penal 470 “com toda tecnicalidade, com toda consistência”. De acordo com ele, o STF não inovou em nada, pois o caso é que é “inédito e incomparável”.
O ministro citou o fato de haver inicialmente 40 réus, com imputação de diversos crimes, mais de 600 testemunhas e afirmou que o STF produziu um julgamento “afeiçoado a essa extrema peculiaridade do caso, o que não podia ser diferente”, pois “o rigor em defesa do erário está na Constituição”.
O presidente do STF fez essas afirmações ao ser questionado sobre uma alegada “politização do julgamento” dessa ação. Ele negou ainda que o julgamento tenha aproximado o Supremo e a sociedade. Ele ponderou que a aproximação é um movimento crescente, ressaltando que isso é notável a partir de julgamentos que afetam diretamente a vida das pessoas.
De acordo com o presidente, o Supremo está em um processo de identificação com o corpo social “sem cortejar a opinião pública, sem se tornar refém da opinião pública ou vassalo da coletividade”. Para ele, a Corte vem concretizando uma Constituição que é arejada no plano dos costumes, além de ser civilizada, democrática, fraternal e consagrar os três movimentos definitivos do constitucionalismo universal: liberdade, igualdade e fraternidade.
Atendendo a pedido, citou alguns processos de sua relatoria com repercussão social, como a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510); a legalização da demarcação integral e contínua da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima (Petição 3388); o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277 e ADPF 132); a incompatibilidade da Lei de Imprensa com a Constituição de 1988 (ADPF 130); a proibição do nepotismo no Judiciário e nos demais Poderes (ADC 12); e a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (ADCs 29 e 30 e ADI 4578).
Mas o ministro fez referência especial ao julgamento de uma ação de sua relatoria que reverteu a jurisprudência do STF em relação a trabalhadores que se aposentavam e que recebiam proventos proporcionais a 30 anos de trabalho, mas automaticamente perdiam o novo emprego.
“O voto que proferi dizia que o trabalhador poderia se aposentar às custas da Previdência Social sem perder o emprego, acumulando duas fontes de receita: uma do empregador e outra da Previdência”, explicou Ayres Britto ao defender que tal decisão representou um benefício a milhões de trabalhadores e uma “injeção significativa de capital na musculatura econômica do país”. Para ele, essa foi uma das decisões mais importantes no campo social porque a massa trabalhadora pôde acumular salários e proventos.
Futuro
Ao falar sobre sua despedida do Plenário, o ministro afirmou que este foi um dos dias mais felizes de sua vida por poder se despedir produtivo, otimista e convicto de que passou por aqui e não perdeu a viagem. “Dei tudo de mim, aprendi muito com todos os ministros com quem trabalhei, tenho muita admiração por todos eles e servir ao país a partir do STF é viagem de alma, não é viagem de ego”, disse.
Ele ainda afirmou que não é “saudosista” e que não vive preso ao passado, mas que também não faz planos para o futuro: “vivo o presente”. Apenas informou que tem um livro de poesias pronto para ser publicado e outro de Direito para terminar de escrever. “É claro que deverei fazê-lo”, afirmou ao dizer que cumpriu seu papel como presidente da Corte, mas que não pensa se deixou ou não um legado. “Mas acho que a toga gostou dos meus ombros”, finalizou.
CM/SF