AP 470: Relator analisa conduta dos réus no item IV da denúncia
Em prosseguimento à leitura do seu voto, o relator da Ação Penal (AP) 470, o ministro Joaquim Barbosa analisou as condutas individualizadas de cada um dos réus no que se refere à lavagem de dinheiro constante do item IV da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República.
Marcos Valério
De acordo com o relator, o empresário Marcos Valério, um dos sócios das empresas SPM&B Comunicação e Graffiti Participações, atuou “intensamente” em todas as principais etapas da lavagem de dinheiro denunciada. “Primeiro, assinou documentos contábeis da SMP&B, cuja contabilidade foi qualificada por peritos como fraudulenta. Segundo, simulou empréstimos bancários formalmente contratados ao Banco Rural, sendo fiador de um empréstimo de R$ 19 milhões para a SMP&B e um de R$ 10 milhões para a Graffiti. Terceiro, repassou milionários valores pelo Banco Rural com a dissimulação da natureza, da origem, da localização e movimentação dos valores e ocultação dos verdadeiros e conhecidos proprietários e beneficiários”, enumerou.
O ministro Joaquim Barbosa salientou ainda que Marcos Valério mudou a sua versão sobre os fatos de acordo com o desenrolar dos acontecimentos, alterando informações dadas em depoimentos à Polícia Federal e à Procuradoria Geral da República.
Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach
Em relação aos sócios de Marcos Valério na SMP&B, Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach, o relator destacou que os dois, “sempre com o objetivo de dissimular a natureza, a origem, a localização, a movimentação e a propriedade de valores ilícitos”, atuaram nas fraudes na contabilidade da agência bem como na simulação de empréstimo junto ao Banco Rural. “Os dois assinaram documentos contábeis que foram qualificados como fraudulentos por peritos criminais, foram fiadores dos empréstimos de R$ 19 milhões para a SMP&B e de R$ 10 milhões para a Graffiti e discutiram os empréstimos com Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT) na sede da SMP&B”, frisou.
Rogério Tolentino
O ministro Joaquim Barbosa afirmou que o advogado Rogério Tolentino, sócio da Rogério Lanza Tolentino & Associados, que prestava serviços à SMP&B, atuou na simulação de empréstimo bancário, notadamente na operação de crédito formalmente contraída pelo seu escritório de advocacia junto ao BMG no valor de R$ 10 milhões. “Foram amplamente constatadas várias incongruências no suposto empréstimo, que indicam tratar-se, sem dúvida, de mútuo simulado utilizado para lavar parte do dinheiro ilicitamente obtido pela quadrilha”, disse.
Simone Vasconcelos e Geiza Dias
O ministro Joaquim Barbosa entendeu em seu voto estarem presentes provas de participação das rés Simone Vasconcelos e Geiza Dias no crime de lavagem de dinheiro perpetrado pelo chamado “núcleo publicitário” descrito na denúncia do Ministério Público Federal. De acordo com o ministro-relator, não há fundamento na tese apresentada pela defesa pela qual elas eram empregadas da SMP&B, e agiram sob ordens, pois os fatos descritos evidenciam uma série de ações ilícitas com claro objetivo de lavagem de dinheiro. Cada um dos acusados cumpria uma função dentro no esquema criminoso, constata o ministro-relator, e sustenta que a alegação de que as rés não eram mentoras das operações ilícitas “pode no máximo influenciar na fixação da pena”.
Sobre Simone Reis Lobo de Vasconcelos, diretora-administrativa da SMP&B, o relator citou vários depoimentos de testemunhas para reforçar que ela compareceu diversas vezes à agência do Banco Rural em Brasília e de Belo Horizonte para realizar saques e repassar o dinheiro a terceiros. “Apesar de assinar o recibo do dinheiro, ela não chegava a levá-lo consigo”, relatou.
Banco Rural
Quanto aos executivos e ex-executivos do Banco Rural, integrantes do chamado “núcleo financeiro” descrito pelo Ministério Público Federal – Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane – o ministro-relator destacou provas que evidenciam sua participação nas práticas ilícitas. Concluiu, contudo, pela absolvição de Ayanna Tenório, já que o Plenário julgou improcedente a denúncia contra ela quanto à gestão fraudulenta de instituição financeira (analisada no item V). Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa afastou as alegações da defesa dos réus no sentido de haver na acusação apenas uma responsabilização objetiva – ou seja, em função dos atos praticados pela instituição –, sublinhando evidências no sentido de individualizar atos de cada um dos acusados no sentido de ocultar origem e destino dos valores de origem sabidamente ilegal movimentados pelo Banco Rural.
Quanto a Kátia Rabello e José Roberto Salgado, o voto do relator destacou a participação direta destes dois corréus na renovação de créditos fictícios para o Partido dos Trabalhares e para as empresas SMP&B e Graffiti, de propriedade do corréu Marcos Valério. Aponta ainda a participação de ambos os executivos em reuniões com Valério no Banco Rural para tratar dos contratos de crédito.
Vinícius Samarane, afirmou o ministro-relator, era responsável pela inspetoria interna do Banco Rural, cabendo a ele monitorar a aplicação dos normativos internos e externos, sendo indispensável o seu envolvimento, ainda que por omissão, na concretização dos fatos apontados pela acusação.
O Banco Rural, de acordo com o voto do ministro Joaquim Barbosa, sistematicamente descumpriu normativos, quer omitindo informações sobre transações aos órgãos de controle, quer não registrando os verdadeiros sacadores dos valores retirados nas agências. O ministro-relator afirmou que os valores movimentados pelo Banco Rural, omitidos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e do Banco Central, “eram sabidamente provenientes de crime contra a administração pública e contra o Sistema Financeiro Nacional”.
RP,FT/AD