Ministro Ayres Britto acompanha divergência pela revisão da anistia

29/04/2010 19:57 - Atualizado há 9 meses atrás

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto foi o quarto a votar na ação (ADPF 153) da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que pede a revisão da Lei da Anistia e o segundo ministro a concordar que a norma não tem caráter amplo, geral e irrestrito. Para Ayres Britto, crimes hediondos e equiparados a estes, como tortura e estupro, não foram anistiados pela lei de 1979.

“Quem redigiu essa lei não teve coragem, digamos assim, de assumir essa propalada intenção de anistiar torturadores, estupradores, assassinos frios de prisioneiros já rendidos, pessoas que jogavam de um avião em pleno voo as suas vítimas”, disse. Segundo Ayres Britto, a concessão de anistia ampla, geral e irrestrita deve ser de feita de forma muito clara e deliberada. “O que interessa é a vontade objetiva da lei, não a vontade subjetiva do legislador”, alertou.

Antes dele, o ministro Ricardo Lewandowski já havia divergido dos votos anteriores, dos ministros Eros Grau e Cármen Lúcia, para afirmar que crimes comuns praticados por agentes do regime ditatorial não foram automaticamente abrangidos pela anistia.

Falta de vergonha

No início de sua exposição, o ministro Ayres Britto recitou um poema de autoria dele mesmo, escrito há 20 anos. Os versos são os seguintes: “A humanidade não é o homem para se dar as virtudes do perdão. Em certas circunstâncias, o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha, convite masoquístico à reincidência”. 

Para deixar claro que a Lei da Anistia não foi produzida com o sentido manifesto de beneficiar agentes do Estado que teriam cometido crimes hediondos, em diversas passagens ele ressaltou que o perdão coletivo a certos infratores deve ser feito “de modo claro, assumido, autêntico, não incidindo jamais em tergiversação redacional, em prestidigitação normativa, para não dizer em hipocrisia normativa”.

“Com todas as vênias, não consigo enxergar no texto da Lei da Anistia essa clareza que outros enxergam, com tanta facilidade, no sentido de que ela, Lei da Anistia, sem dúvida incluiu no seu âmbito de incidência todas as pessoas que cometeram crimes, não só os singelamente comuns, mas os caracteristicamente hediondos, ou assemelhados”, completou.

Na linha do que disse o ministro Lewandowski, Ayres Britto afirmou que certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura ou por conexão. E acrescentou que quando, em março de 1964, as Forças Armadas instituíram o regime de exceção, o fizeram a partir de uma base legal, mesmo que autoritária.

“Essas pessoas de quem estamos a tratar – os torturadores – desobedeceram não só a legalidade democrática de 1946 como a própria legalidade excepcional do regime militar. [São] pessoas que transitaram à margem de qualquer ideia de lei, desonrando as próprias Forças Armadas, que não compactuavam nas suas leis com atos de selvageria”, afirmou.

O ministro fez críticas incisivas aos agentes do Estado que praticaram tortura no regime militar. Disse ele: “Um torturador não comete crime político, crime de opinião. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. O torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por eles. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador”.

Ayres Britto também contestou argumentos no sentido de que a Lei da Anistia foi integrada à ordem constitucional por estar reafirmada na Emenda Constitucional 26/85, que convocou a Assembleia Constituinte de 1988. Para o ministro, a Assembleia Constituinte é um poder fundador, não regulado por direito anterior e, por isso, o instrumento de convocação da assembleia é apenas um meio que proporciona a atividade do poder constituinte que, por sua natureza, é um poder independente. 

RR/LF//GAB

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