Ministro Lewandowski abre divergência ao defender revisão da Lei de Anistia

29/04/2010 19:25 - Atualizado há 9 meses atrás

Terceiro a votar no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, o ministro Ricardo Lewandowski abriu divergência ao defender a revisão da Lei de Anistia (Lei 6.683/79). Para ele, os crimes comuns como homicídio e tortura cometidos durante a ditadura militar não foram abrangidos pela lei de 1979 e os juízes devem analisar, caso a caso, se o crime cometido teve motivação política ou não. No caso de entender que não foi crime político, deverá ser aberta persecução penal contra os autores.

A posição do ministro é contrária à do relator e à da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que entenderam não ser possível reinterpretar a Lei de Anistia após 31 anos da promulgação para punir os que já foram anistiados.

Em seu voto, o ministro Lewandowski afirmou que a lei, deliberadamente, não trouxe a previsão de anistia aos agentes do Estado que praticaram crimes comuns contra os opositores do regime de exceção. Ele lembrou que a lei foi editada em meio a um clima de crescente insatisfação popular contra o regime autoritário após uma séria crise de legitimidade do regime. E então, os líderes do regime entenderam que era chegada a hora de promover mudanças de forma controlada, a partir daí se deu a abertura lenta e gradual liderada pelo general Ernesto Geisel.

De acordo com o ministro, teria havido uma “inegável equivocidade” na redação dada ao parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 6.683/79 no ponto em que faz referência à conexão entre crimes comuns e políticos para o efeito de estender a anistia aos agentes estatais.

O ministro citou algumas hipóteses de conexão de crimes aceitas pelo sistema penal e processual brasileiro e concluiu que o caso aplicado aos anistiados não está entre elas.

“A simples menção à conexão no texto legal contestado não tem o condão de estabelecer um vínculo de caráter material entre os crimes políticos cometidos pelos opositores do regime e os delitos comuns atribuídos aos agentes do Estado para o fim de lhes conferir o mesmo tratamento jurídico”, disse.

Para Lewandowski, ainda que o Brasil estivesse enfrentando uma guerra, “mesmo assim os agentes estatais estariam obrigados a respeitar os compromissos internacionais concernentes ao direito humanitário, assumidos pelo Brasil desde o início do século passado, pelo menos”.

Cesare Battisti

O ministro ainda citou julgamento do italiano Cesare Battisti na Extradição (EXT) 1085, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que para fins de extradição, alguns crimes, ainda que a finalidade do delito seja política, vêm sendo tratados como comuns.

Segundo ele, a jurisprudência do Supremo tem, de forma reiterada, tratado de forma absolutamente diferenciada os crimes violentos praticados contra a pessoa, especialmente no que diz respeito ao direito à vida e à liberdade.

“Ainda que a sua finalidade seja política ou políticos os motivos, tais delitos, especialmente os delitos de sangue, vêm sendo sistematicamente tratados como comuns por exacerbarem os limites éticos das lutas pela liberdade e pela democracia”, disse.

Ele destacou posição do ministro Gilmar Mendes no julgamento de Battisti segundo a qual, certas espécie de crimes, independentemente de sua motivação ou de sua finalidade política, não constituem crimes políticos. É que, levada às últimas consequências, a tese contrária, logo teríamos caso de estupro, pedofilia, genocídio ou tortura, entre outros, tratados como crimes meramente políticos obtendo seus autores os benefícios desse enquadramento.

“O mesmo crime que numa ditadura pode vir a ser absolvido sob a forma de anistia, numa democracia é crime mesmo e crime preponderantemente comum, ainda que a motivação interior tenha origem numa hostilidade política”, afirmou Lewandowski ao dizer que, caso contrário, qualquer indivíduo poderia tomar a lei em suas mãos, punir seu inimigo como lhe agradar e revestir seu ato de nobreza política.

Caso a caso

Ao finalizar o voto, o ministro frisou a possibilidade de abertura de responsabilização penal contra os agentes do Estado que tenham eventualmente cometido os delitos previstos na legislação penal. Para ele, pode sim ser desencadeado processo-crime contra essas pessoas desde que se descarte, caso a caso, a prática de um delito de natureza política ou cometido por motivação política mediante a aplicação dos critérios acima referidos.

Para ele, é irrelevante que a Lei 6.683/79, no tocante à conexão entre crimes comuns e crimes políticos, tenha sido mais tarde parcialmente reproduzida na Emenda Constitucional 26/1985.

Ao concluir seu voto, o ministro afirmou: “julgo procedente em parte a ação para dar interpretação conforme ao parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 6.683/79, de modo que se entenda que os agentes do Estado não estão automaticamente abrangidos pela anistia contemplada no referido dispositivo legal, devendo o juiz ou tribunal, antes de admitir o desencadeamento da persecução penal contra estes, realizar uma abordagem caso a caso mediante a adoção dos critérios da preponderância e da atrocidade dos meios para caracterizar o eventual cometimento de crimes comuns, com a consequente exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitos considerados conexos. É como voto”.

CM/LF

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