Ministro Gilmar Mendes segue maioria pela demarcação contínua da Raposa Serra do Sol

19/03/2009 19:15 - Atualizado há 9 meses atrás

Em breve voto proferido no início da tarde desta quinta-feira (19), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, finalizou o julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, que será mantida como determinada em 1998, durante o governo FHC (1994-2002), e homologada por decreto do presidente Lula em 2005. Foram 10 votos a favor da demarcação contínua e um pela anulação do processo administrativo de demarcação, proferido ontem pelo ministro Marco Aurélio.

Os ministros também debateram sobre as condições para que a demarcação seja efetivada. Eles aprovaram proposta do ministro Gilmar Mendes no sentido de que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acompanhe a execução da decisão do Supremo, sob supervisão do ministro Ayres Britto, relator do processo. Segundo ele, isso é necessário “para evitar abusos”.

Segundo Mendes, esse tipo de solução não é inédita e foi utilizada pela Suprema Corte dos Estado Unidos no caso Brown v. Board of Education of Topeka, quando órgãos do Estado foram encarregados de garantir o cumprimento da decisão, que acabou com o apartheid em escolas norte-americanas.

Em dezembro do ano passado, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito estabeleceu condições para os índios viverem na reserva, que também foram mantidas. Elas abrangem a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na reserva, independentemente de consulta às comunidades indígenas, e o não usufruto, pelos índios, de recursos naturais, como os hídricos e de pesquisa e lavra de minérios, entre outras.

Os ministros também decidiram assegurar a participação efetiva, no procedimento administrativo de demarcação, de todos os entes federativos que tenham terras envolvidas em um processo de demarcação de reserva indígena.

Complexidade

Antes de proferir seu voto, o ministro fez considerações sobre o que classificou como “complexidade do tema” e lembrou que a decisão da Corte afeta demarcações passadas e futuras. 

Mendes se disse “preocupado” com problemas advindos da interpretação do parágrafo 1º do artigo 231 da Constituição Federal, que conceitua o que são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, e citou a necessidade de se compatibilizar a definição constitucional com questões importantes, como as áreas de fronteira e o respeito ao princípio federativo.

“Não se pode fazer tábula rasa dessas unidades políticas”, disse, ao se referir a estados e municípios que têm terras envolvidas em processos de demarcação de reservas indígenas. “De um somatório de demarcações podemos ter a situação de que a unidade federativa perca o sentido de autonomia política”, ponderou.

Sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, que tem 1,7 milhão de hectares, ele afirmou estar “seguro”, já que laudo elaborado para o Ministério da Justiça mostra que houve preocupação quanto ao modelo adotado, levando-se em conta os níveis de aculturações das etnias indígenas envolvidas, o grau de isolamento e os paradigmas constitucionais.

Mendes também classificou como uma “falsa questão” a discussão sobre o modelo de demarcação, contínuo ou em ilhas. “O debate quanto a se o texto constitucional decidiu pelo modelo de área contínua [ou em ilhas] parece uma colocação inexata.”

Segundo ele, se esse fosse o caso, seria preciso, por exemplo, unir todas as áreas indígenas de Roraima, que juntas tomam mais de 47% do estado. “Daí a necessidade de um grupo técnico plural [para analisar a forma e a área de demarcação], tendo em vista a complexidade do texto constitucional”, disse Mendes, acentuando a importância de se garantir o cumprimento da proteção constitucional ao índio.

Jurisprudência

Ao contextualizar a questão da posse indígena no STF, Gilmar Mendes citou decisão do Supremo, tomada em 1983, que rompeu com a jurisprudência até então estabelecida e determinou que a posse indígena deveria coincidir com a posse civil da terra. “Por isso, alguns advogados se animaram a propor ações de anulação [de demarcação]”, disse. Entre essas ações, uma foi no sentido de anular toda a demarcação do Parque Indígena do Xingu, ao norte do estado do Mato Grosso.

Dez anos depois, em 1993, a Corte voltou a reafirmar sua jurisprudência ao anular títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo de Minas Gerais em área ocupada por índios Krenak.

Mendes lembrou ainda da discussão, durante o governo FHC, sobre a necessidade de se garantir o contraditório e a ampla defesa a todos os afetados por um processo de demarcação de reserva indígena, que culminou com a edição do Decreto 1.775/96.

O ministro afirmou que esse decreto foi alvo de muitas discussões e críticas, no sentido de que ele tenderia a eliminar os direitos indígenas. Segundo Gilmar Mendes, na época, o professor Dalmo Dallari sustentou a tese de que não haveria necessidade de se assegurar contraditório nessa matéria e que o objetivo seria inventar uma fórmula para se tirar direitos dos indios. De outro lado, afirmou Mendes, a tendência do Supremo era afirmar o contraditório e a ampla defesa nas mais diversas relações jurídicas.

O ministro chegou a citar trecho de artigo intitulado “Degradação do Judiciário”, em que Dallari critica a indicação de Mendes para o STF. No texto, publicado na Folha de S. Paulo, no dia 8 de maio de 2002, o professor também critica a articulação em torno da edição de um decreto que viesse a assegurar o contraditório e a ampla defesa a todos os envolvidos em processo de demarcação de reservas indígenas.

Mendes citou o seguinte trecho do artigo: “Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, inventaram uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações”.

O ministro afirmou que agora, para o Supremo, o Decreto 1.775/96 tem sido considerado insuficiente e precisa ser reforçado. “Vejam os senhores que o professor, aqui também, falseou dados, faltou com a verdade. Hoje o decreto está aí como tábua de salvação, reconhecem todos.” 

RR/LF

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