“Verticalização não pegou” – O Povo (CE) – Ministro Marco Aurélio

06/07/2002 19:38 - Atualizado há 1 ano atrás


Fiel ao seu estilo, o ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do STF, afirma que a verticalização das alianças partidárias, na prática, não teve resultados. Ex-presidente do TSE, ele discorda da participação de ministros do STF na Corte Eleitoral, defende revisão no processo de nomeação dos integrantes do Supremo e diz que a alternância no Governo é desejável.



Valdélio Muniz
da Redação





Assim como ocorre no Judiciário, é desejável que haja alternância de forças no Executivo brasileiro. A opinião pode parecer advinda de líderes de oposição ao presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, na verdade, é defendida com convicção pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello. Para ele, a alternância no Poder não pode assustar ao ponto de se partir para o chamado terrorismo financeiro.


Questionado sobre as suspeitas de parcialidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em favor do presidenciável José Serra (PSDB), Marco Aurélio tenta ser diplomático, sem deixar de advertir as facções partidárias ”que partem para o campo esdrúxulo”. ”Prefiro não acreditar nisso. Agora, claro que aos 55 anos de idade, não posso ser ingênuo. Os eleitores percebem o que realmente ocorre”.



Em entrevista ao O POVO, quando esteve em Fortaleza há poucos dias, o presidente do STF, que por uma semana em maio último e nos dias 4 e 5 deste mês substituiu FHC no Planalto, disse que a experiência à frente do Governo e a iminência de repeti-la não mudam nada em sua postura de julgador. Ele defende que o juiz não pode ser um batedor de carimbo e que a nomeação de integrantes do Supremo, restrita à escolha do presidente da República, precisa ser revista, embora o magistrado só deva obediência à própria consciência.


Marco Aurélio defende o voto facultativo e afirma que a verticalização apenas mascarou as alianças partidárias. Ele diz ser um equívoco a dependência do Judiciário ao quadro de pessoal das prefeituras, arrisca que o desafogamento das ações na Justiça demorará uns cinco anos e comemora o fato de, pela primeira vez, estarem aflorando os casos de desvios de conduta no Judiciário. ”Não posso conceber corporativismo para acobertar erros de quem quer que seja”, declara.




O POVO – O STF tinha proibido o ex-ministro Ciro Gomes de falar no programa do PTB que foi veiculado há poucos dias. Apesar disso, Ciro tornou-se o centro do programa, falando aos eleitores. Como o senhor viu essa desobediência?


Marco Aurélio Mello – A força da realidade é incrível. Quando julgamos este processo, fui voto vencido. Entendi que a cláusula da lei que impede a participação de pessoa estranha ao partido responsável pelo programa tinha de ser interpretada. Não podemos sair interpretando literalmente o que está na lei. Por que sustentei que o preceito não se aplicaria à hipótese. Porque tivemos uma coligação entre os partidos. A coligação é a comunhão de idéias, a união para a busca de um objetivo comum. Indaga-se: Podemos dizer que integrante de um desses partidos é estranho ao outro? A resposta, para mim, desenganadamente, é negativa. Agora, há coisas que são incontroláveis. O que temos quando surge o extravasamento dos limites da lei quanto à propaganda partidária? Temos uma cominação (punição): o partido perde o espaço no período posterior. Contra a candidatura não tivemos nada até hoje. O que se pode imaginar? Abuso no uso da máquina? Que máquina? Quando se cogita de máquina é a máquina administrativa. O partido políticonão é uma pessoa jurídica de direito público. Fica difícil, a meu ver, uma glosa (censura) maior.



Ao descumprir uma determinação judicial, não fica um mau exemplo do candidato?


Tivemos a concessão de uma liminar, que não é julgamento definitivo. Quantas vezes nós indeferimos a liminar e julgamos procedente uma ação? A situação, aí, está no limbo (borda, limite). Houve sim a inobservância da liminar, mas precisamos também ter presente a ordem natural das coisas. Ele sopesou valores e entendeu que o prejuízo maior estaria em não veicular nada. Agora, creio que quando estamos numa disputa devemos buscar a igualização. O que houve em outros programas? A aparição de pré-candidatos. Por que, só agora, em relação à Frente Trabalhista, se adota uma posição tão rigorosa?



O senhor teve oportunidade de analisar no STF a verticalização das alianças partidárias. Que análise o senhor faz da verticalização hoje?


Ela trouxe um prejuízo decorrente do mascaramento. Há coisas que não pegam. A verticalização só pegou pelo ângulo formal. Na realidade, ela não existe porque temos aí as composições que a contrariam. Claro que elas (alianças em desobediência à verticalização) não ficam no papel. São feitas a partir da palavra, mas surtindo conseqüências. Foi outra matéria em que fui vencido. A mesma lei que regerá as eleições de 2002 foi aplicada em 1998, quando tivemos coligações com partidos diversos, tanto foi que o PT e o PSDB apoiaram o governador eleito do Acre (Jorge Viana-PT). Foram os partidos que tiveram os candidatos a presidente da   República mais votados e antagônicos (FHC e Lula).




Segmentos mais críticos ao TSE apontam tanto a proibição de participação do Ciro no programa do PTB quanto a proposta de verticalização como decisões sob encomenda para favorecer o candidato governista…



Prefiro não acreditar nisso. Agora, claro que aos 55 anos de idade, não posso ser ingênuo. E o povo brasileiro não é ingênuo. Os eleitores percebem o que realmente ocorre. É bom que certas facções que partem para o campo esdrúxulo, não é o caso do TSE, me refiro às facções partidárias, fiquem mais espertas porque o tiro pode sair pela culatra. (Enfático) O tiro pode ser no pé.

Somando-se a isto tudo, a atitude recente do ministro Nelson Jobim de garantir, na madrugada, a realização da convenção nacional do PMDB serviu para levantar suspeita quanto à isenção dele, ex-deputado pelo partido, à frente da eleição. Como o senhor vê isso?


O princípio da razoabilidade conduz a você presumir sempre não o que há de extraordinário ou excepcional, mas o que se tem no dia-a-dia. E no dia-a-dia, o que se tem da parte do magistrado é uma postura digna. Não posso presumir que ele tenha atuado de forma tendenciosa. Precisamos parar um pouco com a maledicência e acreditar em nossas instituições até que se demonstre de forma segura o desvio de conduta. Naquele contexto, tínhamos uma situação emergencial. O encontro estava marcado para as 9 da manhã e uma liminar do próprio TSE proibia esta convenção. Logicamente aqueles que se sentiram prejudicados procuraram reverter o quadro e, evidentemente, tinham de dar continuidade na noite e adentrar a madrugada para obter sucesso. Eu, por exemplo, atendo advogados a qualquer hora do dia ou da noite, desde que a situação seja emergencial.



O que se divulgou é que não teria havido um simples atendimento para deliberar no processo, mas que Jobim teria orientado os advogados da facção governista do PMDB quanto ao tipo de recurso mais adequado…


Mas isso tudo ficou no campo do disse-me-disse. Creio que não há nenhuma peça jurídica juntada ao processo sustentando que ele teria orientado advogados ou ex-colegas do partido.



Isso tendo acontecido ele teria extrapolado seu dever…


Claro, claro. O juiz deve guardar uma postura de absoluta eqüidistância  quanto aos interesses envolvidos. Só assim ele pode julgar.



A forma de nomeação dos ministros para os Tribunais Superiores tem sido objeto de preocupação devido ao poder de decisão que cabe ao presidente. Agora mesmo houve quem se queixasse da escolha do ex-advogado Geral da União, Gilmar Mendes, para o STF. Este processo não precisa ser revisto?



Eu creio que o sistema está a merecer reflexão. Em primeiro lugar, sou contra a participação de ministros do STF no TSE porque os recursos das decisões do TSE são julgados pelo Supremo. Aí, quando nós sentamos, já sabemos como votaram os três do Supremo que integram o TSE. Os integrantes do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro não devem participar de outros tribunais de instância inferior.



Mesmo considerando que o senhor já integrou e presidiu o TSE?



Já fui. Enquanto as regras estiverem postas darei cumprimento. Estou falando em termos de sugestão legislativa que se deixe de fora, para preservação inclusive de perfil, os ministros do STF. Agora, o que temos em relação à escolha de integrantes para os dois tribunais superiores? (No caso do STJ) Se a vaga é destinada a advogado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) confecciona uma lista sêxtupla, que é reduzida à tríplice pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, depois, segue para escolha do presidente da República. Quando a vaga é destinada ao Ministério Público, a mesma coisa. Se a vaga é destinada a juiz de carreira, o Tribunal confecciona diretamente a lista tríplice, ou seja, o presidente não pode pinçar uma pessoa da escolha exclusivamente dele. Quanto ao Supremo repete-se esta regência? Não! A escolha é livre pelo presidente da República. Então, avizinha-se o ano de 2003, quando teremos três vagas no Supremo. Em 2004, teremos uma quarta vaga. Em 2006, ainda no primeiro mandato do próximo presidente, teremos a quinta vaga. Se ele for reeleito, fará no primeiro ano do novo mandato a maioria absoluta com a aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence. Isso é salutar? Não! Porque, se não pararmos para perceber, quem tem a última palavra sobre os atos praticados e as leis é o Supremo Tribunal Federal. Depois que ele bate o martelo, não resta recurso a uma outra instância.


O que o STF pretende fazer no sentido de modificar isto?


Tradicionalmente o Supremo não atua neste campo. O STF não tem iniciativa de emenda constitucional. Tem iniciativa de algumas leis, mas em matérias limitadas conforme previsto na Constituição. Isso cabe à sociedade, ao meio acadêmico e do Direito discutir e sensibilizar os representantes do povo, os deputados federais, e dos Estados, os senadores. O que faço é estimular a sociedade para o debate. Há quem sustente que, sendo eleito o Serra, ele fará, considerados os três já nomeados pelo presidente Fernando Henrique (ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes), maioria absoluta. Com as três vagas que ocorrerão entre abril e maio de 2003, chegará à maioria absoluta: seis votos. É interessante? Não, muito embora eu defenda que o juiz, numa cadeira vitalícia e com a toga nos ombros, só deve obediência à própria consciência. Ele não pode agradecer a indicação para o Supremo mediante votos ou atos processuais.



Há poucos dias chegou-se ao fim de um impasse que durava uns quatro anos: a definição do teto salarial no Judiciário. O valor de R$17,1 mil para os ministros das cortes superiores corresponde à realidade do País?



Em 1998 fiz um ofício ao então presidente da Corte, ministro Celso de Melo, revelando que o valor correto, integrada a gratificação de férias e o 13º, já que o subsídio é parcela única, não comporta penduricalhos, seria em torno de R$ 21 mil a R$ 22 mil. Ainda estamos no campo da remuneração porque não houve consenso entre os poderes em relação ao subsídio, já que a iniciativa é conjunta. Quatro anos depois, o que viemos a fixar? R$ 17 mil. A minha conclusão é de que este valor ficou aquém do que seria a conseqüência lógica da reposição do poder aquisitivo da moeda, a observância do princípio da irredutibilidade dos vencimentos e da formação de parcela única a revelar o subsídio. Mas, claro, na quadra econômica e financeira vivida pelo país, já foi um passo bastante largo e que, de certa forma, atende à magistratura inclusive porque acaba o esqueleto que estava no armário, já que tivemos uma lei editada em 1998 dispondo sobre a retroação do subsídio que viesse a ser fixado.


O senhor assumiu recentemente a Presidência da República, em viagem do presidente Fernando Henrique e impedimento do vice e dos dirigentes do Congresso, que disputam as eleições deste ano. Esta iminência de ocupar outras vezes a Presidência muda algo em sua postura como juiz dos mais opositores?



O aperfeiçoamento do homem é constante. Morremos nos aperfeiçoando. Pobre é aquele que acha que já está completo em sua formação profissional e humanística. Claro que foi uma grande experiência, mas para ter outra ótica sobre os problemas nacionais. Muda o meu modo de pensar sobre o direito posto e a necessidade de o juiz tornar eficaz este direito? Não muda em nada. Continuarei o mesmo julgador de sempre. Já demonstrei isto em votos proferidos lá mesmo no Supremo, muito embora não esteja mais na bancada (vota apenas se preciso desempate). Creio que a posição da bancada é muito mais confortável para você discutir abertamente do que a posição de presidente, em que você tem de coordenar e evitar atritos mais sérios entre os colegas. Continuo com a mesma visão de implementar a solução mais adequada para o caso e, depois, ir à lei buscar apoio, realizando a desejada justiça.



Uma das principais críticas a um grande número de magistrados é exatamente se prender demais ao rigor formal da lei e não necessariamente à busca de justiça.



O juiz não pode ser um batedor de carimbo. Sou contra a súmula vinculante (que torna ”regra” decisões tomadas por juízes de cortes superiores sobre processos de conteúdo semelhante). Só acredito no ofício, na arte de julgar, a partir de algo que se chama espontaneidade. O juiz só deve se curvar à própria consciência. Ele não deve julgar pela capa dos autos, pelas pessoas envolvidas, não deve julgar considerando o conteúdo econômico da ação, nem temeroso da repercussão, da incompreensão do que deva implementar em termos de decisão judicial. Por isso é que somos vitalícios, irremovíveis e gozamos da irredutibilidade de vencimentos. Nós, ministros do Supremo, só podemos perder nosso cargo através de impeachment, no Senado. Os demais magistrados (podem ser destituídos) por sentença transitada em julgado (quando já não cabe mais qualquer recurso). Estas garantias beneficiam o juiz? Não! Beneficiam a sociedade que quer contar com homens independentes, dizendo o que é direito.



Na eleição de 2000, prefeitos processados por má aplicação de verbas públicas e que tiveram prestação de contas rejeitadas foram retirados da disputa eleitoral por decisões de juízes de primeira e segunda instâncias, mas se mantiveram em campanha pelo TSE. A distância da Corte superior quanto à realidade local não a torna mais insensível e suscetível a cometer injustiça?



Sou um admirador das decisões de primeira instância, quando o magistrado tem um contato direto não com papéis, mas com as partes, com a situação concreta. Isso não quer dizer que haja erro nas decisões das instâncias superiores. Se o TSE chegou a esta conclusão é porque a ordem jurídica a admitia. O que temos além da punição do Judiciário? A censura por parte do eleitor. É preciso que percebamos a importância de um voto. É uno? É! Mas se soma a tantos outros para indicar nossos dirigentes e representantes. Será que não está na hora de darmos uma demonstração de cidadania, recusando candidatos que claudicaram (falharam) no proceder? Acho que está na hora. Sou favorável ao voto facultativo, não o voto como dever. Se o voto fosse facultativo, só compareceriam aqueles realmente conscientizados da importância do voto, o que repercute, sem dúvida, nos dias futuros deste imenso Brasil.



O Brasil já teria cultura política suficiente para isto?


Por que não temos uma auto-estima maior? Porque nos inferiorizamos em relação a outras culturas. Estamos no século XXI e na era da televisão, da comunicação mais rápida de idéias, na era da informática. Acredito no eleitor brasileiro, mas no eleitor conscientizado. E a conscientização estaria presente se o voto fosse facultativo.



Na maioria dos municípios interioranos, os fóruns da Justiça funcionam na dependência da cessão de servidores das prefeituras. Isso não compromete a imparcialidade do Judiciário?



Isso é um equívoco porque o Judiciário deve ter os seus quadros. Principalmente porque o Judiciário julga atos das Prefeituras que cedem os servidores. O ideal é que se caminhe para uma estruturação maior do Judiciário.



Mas os governos sempre alegam inexistirem recursos suficientes para contratar pessoal. Falta sensibilidade então do poder público para enxergar a importância da Justiça no contexto social?



O Judiciário é o poder responsável pela paz social. Nos preocupemos e passemos a dar a este poder recursos para uma estruturação do serviço, agora numa administração austera quanto aos gastos.


A reforma do Judiciário até hoje discutida não tocou na questão que incomoda de fato a população, que é a morosidade dos processos. O que fazer neste sentido?



Compreendamos primeiro a época vivida. Ainda estamos no rescaldo dos incêndios provocados pelos diversos planos econômicos. De Delfim Neto para cá tivemos 14 planos econômicos mexendo profundamente com as relações jurídicas e com a vida dos brasileiros. Estes planos foram engendrados a partir muito mais da atuação tecnocrata do que da supervisão dos juristas. Então, houve o atropelo de situações constituídas, de direitos adquiridos. O brasileiro, quando tem um direito espezinhado, só acredita na solução do Estado-juiz. Por isso ainda estamos julgando no Supremo controvérsias sobre o Plano Collor, implementado em 1990. Contamos hoje com cerca de 60 mil processos no Supremo, aguardando autuação, processos que vêm tramitando há seis, oito, dez, 12 anos. Mas a tendência qual é? Continuar-se com a propositura de ações na mesma gradação? Não. A tendência é uma diminuição substancial destas ações e dias melhores. Cerca de mais cinco anos vamos levar ainda neste rescaldo. Agora mesmo, tivemos a criação dos juizados especiais federais, que desburocratizam o processo e enxugam o rol de recursos. Há também uma interposição sucessiva de recursos, empurrando-se com a barriga o desfecho final da causa. Isso é péssimo. Cabe até mesmo conclamar os advogados a uma independência técnica maior: Alertar o cliente de que a hipótese não sugere uma reversão do quadro decisório e que, portanto, não deve ser interposto um recurso que apenas protelará o desfecho da causa.



O senhor recebeu há algumas semanas a visita da desembargadora Águeda Passos, que lhe fez um relato sobre o trabalho que a Corregedoria do Tribunal de Justiça local vem fazendo nestes dois anos. Como o senhor vê este processo de investigação e afastamento de magistrados?


Exige-se do homem público uma postura exemplar. Nós, juízes, estejamos em que patamar do Judiciário estivermos, somos em última análise servidores públicos e devemos prestação de contas aos contribuintes. O juiz, que tem a missão sublime de julgar os conflitos entre seus semelhantes em nome do Estado, é uma vitrine, um livro aberto. Não podemos claudicar. Se alguém claudicou que se apure e, após decisão da qual não caiba mais recurso, deve pagar, deve ser responsabilizado pelos atos praticados. Não estou julgando ninguém porque nem conheço os parâmetros da acusação contra juízes e desembargadores.



Este processo de investigação do próprio Judiciário, iniciado com o caso do juiz Nicolau dos Santos Neto, do TRT-SP, e seguido por magistrados de outros estados, retrata que as irregularidades ocorridas são recentes ou que o corporativismo das corregedorias as impediu de agir antes com maior firmeza?


Vamos falar de forma geral: Não temos hoje mais desvios de conduta, mais corrupção, do que tivemos no passado. O que ocorre é que as coisas, pela vez primeira, estão aflorando. E o período, para mim, é salutar. É um período de depuração, visando dias melhores, dias de maior segurança para os cidadãos em geral. Em todo segmento há problemas que devem ser corrigidos. As situações do Judiciário são excepcionalíssimas. Após a Constituição de 1988, enviamos ao Congresso o projeto que nos cabia confeccionar, da Lei Orgânica da Magistratura, criando um órgão de cúpula composto de integrantes dos diversos tribunais sob a presidência de um ministro do Supremo (uma espécie de Corregedoria central) para tirar estas situações concretas (apuração de denúncias contra juízes e desembargadores) do meio em que elas ocorreram e ter-se em Brasília o julgamento devido, equidistante. Não posso conceber corporativismo para acobertar erros de quem quer que seja.

Existe o ditado popular de que a Justiça tarda, mas não falha. Quando a Justiça tarda, ela não falha?



Falha. Rui Barbosa já dizia que Justiça que tarda, não é justiça. É injustiça manifesta. Para o cidadão que tem uma ação, aquela ação é um motivo de angústia diária. Ele só pensa no problema revelado pela ação. Se o objetivo maior do Estado-juiz é restabelecer a paz social tudo recomenda que o restabelecimento ocorra no menor espaço de tempo possível. Precisamos realmente desburocratizar o processo, enxugar o rol de recursos e oferecer a definição num tempo razoável, no máximo um ano. Isso é que a sociedade quer. Espero ainda viver o dia em que o Judiciário atuará com esta presteza.

Fala-se muito hoje no chamado ”Risco-Lula”. Como o senhor vê esta interferência externa no processo político-eleitoral brasileiro?


Tenho proclamado que é preciso deixar o sensacionalismo, a busca de escândalos direcionados. É sintomático que agora tenha surgido um escândalo com o pré-candidato que está na dianteira (Lula). Pressuponho que haja alguma coisa embutida, visando evidentemente um campo que não é o desejável. O campo desejável é o da discussão de idéias e objetivos. Confio muito nas instituições e, como os dirigentes ficam submetidos a mandatos, não receio qualquer alternância. Como ocorre no Judiciário, é desejável que haja alternância. Ela não pode assustar ao ponto de se partir para o que a imprensa denomina como terrorismo financeiro, como se para nós só houvesse uma solução. Vamos deixar que os eleitores, de forma consciente, livre, porque a eleição é a base da democracia, exerçam seu direito e escolham aquele candidato que entenderem preferível. Tenho certeza de que, com isso, estará robustecido o estado democrático de direito.



Esta necessidade de prevalência da soberania popular frente à ameaça de setores externos não exigiria uma postura mais firme de quem detém o poder hoje?


Creio que isso vem ocorrendo. Quando tenho oportunidade de falar, eu falo. Quando o presidente da República tem oportunidade, ele também fala condenando esta mesquinharia, esta verdadeira baixaria que estamos constatando. Agora, vejo nos jornais várias autoridades públicas condenando uma instituição de valia maior que é a Polícia Federal. Aí cabe, como já determinou o ministro da Justiça, Miguel Reale Jr, que é um homem de bem, a apuração em sindicância e, notados indícios de uma prática à margem do que é estabelecido pela Polícia Federal, a instauração de processo administrativo para punir os responsáveis. Não contribui para o fortalecimento do nosso Estado, para a credibilidade do Brasil no meio internacional, o que está havendo. Paremos de suscitar escândalos entre as facções que estão lutando. Voltemos ao campo que deve ser explorado que é o do debate de idéias, para que possamos conhecer o perfil de cada candidato e, assim, melhor exercer o direito inerente à cidadania que é escolher nossos dirigentes e representantes



O ex-ministro do STJ, Paulo Costa Leite, aposentou-se recentemente e quase saia candidato a vice-presidente da República pelo PSB. Embora ainda faltem quase 15 anos para a sua compulsória, o senhor tem alguma pretensão política?



Eu me vejo juiz 24 horas por dia. Desde os 49 anos, numa situação esdrúxula, tenho tempo suficiente para me aposentar. Faço o que gosto e creio que me realizo amplamente servindo aos meus concidadãos como juiz. Não penso em me aposentar antes da compulsória, que eu condeno já que a vitaliciedade quer dizer enquanto viver. Mas nós recebemos o cartão vermelho aos 70 anos. Não penso em me aposentar antes, muito menos para sair para o campo político. A política que faço é a política institucional, ou seja, a política do Judiciário, buscando tornar prevalecente acima de tudo a nossa Constituição Federal, que às vezes é tida como um documento de menor importância, o que é lamentável.

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.