“O consumidor precisa ser protegido” – Diário de S. Paulo – Ministro Marco Aurélio
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ALICE CASTANHEIRA
Alvo de muitas críticas e poucos elogios, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio de Mello, não gosta de ser tido como um juiz polêmico. Ele garante que profere suas decisões sem levar em conta a capa do processo ou a repercussão que seu ato possa ter junto ao cidadão, à imprensa e aos políticos. Aos 55 anos de idade e 29 de carreira, ele coleciona uma série de decisões consideradas polêmicas e até contraditórias por contrariar até mesmo os interesses do Executivo. Desde que assumiu o comando da maior e principal Corte do Poder Judiciário, em junho do ano passado, Marco Aurélio tornou-se o 37º presidente do STF e o primeiro formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Carioca, vaidoso e dono de uma personalidade marcante, Marco Aurélio chegou ao Supremo em junho de 1990, depois de passar pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocupou a presidência durante o biênio 96/97. Considerado um dos maiores aliados do funcionalismo público na briga pela revisão anual do salário (como determina o artigo 37, inciso X, da Constituição Federal), Marco Aurélio é um dos maiores defensores do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso porque, para ele, a parte mais fraca na relação de consumo — que é consumidor — deve estar sempre protegido.
Diário de S.Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para este mês o julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) requerendo o fim da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações e bancárias. A previsão de julgamento foi dada pelo relator da Adin, ministro Carlos Velloso, O senhor chegou a declarar que o caso é emblemático em razão da importância do tema. Qual o seu posicionamento sobre o assunto?
MARCO AURÉLIO DE MELLO – Em relação aos bancos ainda não apreciei a matéria. Essa questão ainda será analisada pelo Supremo. Mas, sou um entusiasta do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque em um Estado democrático, a parte mais fraca tem que estar protegida. Neste caso, o Código protege a parte mais fraca da relação jurídica, que é o consumidor e não os bancos.
Foi com esse entendimento que o senhor votou contra a legalidade do programa de racionamento de energia? O senhor considera que do jeito que o racionamento, do jeito que foi feito, fere direitos do consumidor e, por isso é inconstitucional?
Votei de acordo com o meu convencimento formado a respeito da matéria. Na época, entendi que as medidas previstas de racionamento prevista no programa, principalmente, no que diz respeito à aplicação de multa seriam inconstitucionais, mas o plenário entendeu de forma contrária.
E hoje, o senhor pensa da mesma forma ou mudou de opinião?
Eu continuo convencido de que o meu ponto de vista estava correto, assim como o voto do ministro Neri da Silveira. No entanto, depois que o colegiado decide e proclama a decisão, tem -se como a correta a ótica majoritária.
Enquanto cidadão como o senhor analisa como o fim do racionamento?
O término do racionamento veio em boa hora porque é possível e preciso buscarmos o implemento da atividade econômica, visando até mesmo a criação de empregos para os brasileiros.
Mudando de área do Direito. Nos últimos tempos, temos visto que os juízes têm decretado prisões temporária e preventiva com a mesma facilidade e rapidez que outros magistrados concedem habeas corpus para revogar essas prisões, permitindo que os acusados respondam o processo em liberdade. A população tem a impressão de que o próprio Judiciário não se entende. Isso aconteceu recentemente na prisão do ex-senador Jader Barbalho. Qual a sua opinião sobre isso?
É preciso ter cautela. Algumas prisões precisam ser bem examinadas antes de serem decretadas. Em alguns casos, a pessoa começa a cumprir a pena antes mesmo de ser considerada culpada e liberdade não se devolve a quem quer que seja. A ordem natural das coisas inviabiliza a devolução da liberdade. Temos que interpretar o Código de Processo Penal à luz do que está escrito na Constituição Federal e não o inverso. O que está na Constituição Federal? Que antes do trânsito em julgado de qualquer sentença e enquanto couber recurso contra a decisão, não se presume a culpa. Neste caso, o que presume é a não culpabilidade.
Antes mesmo de assumir a presidência do STF, o senhor já esteve diante de decisões difíceis e de casos de repercussão na imprensa. No caso do Banco Nacional, por exemplo, envolvendo o ex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, o senhor concedeu habeas corpus para ele e cinco dias depois ele fugiu para a Itália. A decisão do senhor, que foi muito questionada pela mídia e por outros magistrados, foi tomada com base no texto da lei ou no seu entendimento pessoal?
Minha decisão foi dada com base no que está na Constituição e desprezando totalmente a lei do colarinho branco — que versa em si a prisão preventiva pela magnitude da lesão. Entendo que a prisão preventiva é algo para prevenir.
Na hora em que o senhor decide, por exemplo, a concessão de um habeas corpus ou qualquer outra questão de Direito, o seu pensamento é a lei? Nessa hora, a questão política não pode interferir na decisão?
“Não ocupo uma carreira direcionada a relações públicas”
Analiso tudo sem levar em conta a capa do processo ou a repercussão que o meu ato possa ter junto ao cidadão. Não ocupo no Poder Judiciário uma carreira direcionada a relações públicas.
O senhor também tem uma visão diferente dos demais ministros do STF sobre a correção das contas do FGTS dos planos Collor 1 e Verão. Na época do julgamento da questão pelo pleno, em agosto de 2000, o senhor votou pelo reconhecimento do direito ao pagamento de quatro planos econômicos. Por quê?
Isso porque os trabalhadores já vinham ganhando o direito à correção dos quatro planos em todos os tribunais, inclusive aqui no Supremo. Mas, levou-se a matéria ao pleno. Alguns colegas examinando melhor o pressuposto da matéria evoluíram, enquanto outros involuíram.
Embora o julgamento do Supremo tenha saído pela correção de dois planos, o senhor ainda acredita que o trabalhador tem direito aos expurgos de quatro planos?
Estou convencido disso. Mas, agora não adianta mais lutar por isso. O que se tem é a decisão do Supremo, que já bateu o martelo sobre o assunto. Como é o último tribunal para recorrer, não adianta mais insistir.
O senhor assumiu a presidência do STF prometendo resolver o problema do calote de Estados e municípios no pagamento dos precatórios (dívidas judiciais). Por que?
Sem dúvida, essa é a principal bandeira da presidência porque aguardo uma postura exemplar que sirva de norte ao cidadão. Por que o cidadão comum tem 24 horas (depois de citado), para pagar o débito constante na sentença e o Estado (após ter o precatório expedido) tem 18 meses para fazer o pagamento? Além de ter o prazo maior, o Estado não paga. Isso para mim é o calote oficial.
Então, o senhor não hesitaria em levar a julgamento no Pleno do STF o pedido de intervenção em um Estado ou município que não faz os pagamentos de precatórios como determina a lei? A questão política não o preocupa?
De forma alguma. Não estou preocupado, porque embora não se tenha o numerário para mandar para o Estado e para o interventor liquidar os débitos, a intervenção tem uma eficácia psicológica e também de advertência ao administrador para que cumpra a ordem jurídica. Uma decisão judicial não pode ser descumprida.
Durante muitos anos, o ex-governador Mário Covas não se preocupou com precatórios. No entanto, ao levantar esta bandeira no Supremo, o governador Geraldo Alckmin resolveu discutir o assunto…
Ele (o governador) se mostrou interessado em discutir o assunto. Está na hora do Estado mudar a sua postura porque nós vamos cumprir as decisões judiciais. O Estado não pode utilizar uma postura de força para descumprir decisões judiciais. É a desmoralização do próprio Estado.
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem governado na base da Medida Provisória. O que o senhor acha disso?
Sempre disse que estaria havendo um excesso na atuação do Executivo substituindo-se ao poder e função do Congresso Nacional. Mas, considero um passo salutar a Emenda Constitucional que limita o poder do Executivo de editar e reeditar medidas provisórias.
O senhor tem pretensões políticas assim que deixar o cargo de presidente do STF?
Não tenho. Poderia ter me aposentado com 49 anos, mas estou com 55 anos e continuo trabalhando. Gosto do que faço e faço com muito amor. Sou um juiz 24 horas por dia e não me vejo político. Não me vejo trabalhando em outra área, nem em uma candidatura a um cargo político. Abracei a magistratura como opção de vida. Julgar os semelhantes e, principalmente, julgar os conflitos e os problemas das pessoas é uma missão sublime.
Perfil
Início de carreira foi na Justiça do Trabalho
Com 29 anos de serviço, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio de Mello, orgulha-se de ter começado na carreira jurídica atuando na área trabalhista. Depois de se formar em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1973, Marco Aurélio demorou apenas oito anos para chegar a Brasília. Atualmente, além da presidência do STF, Marco Aurélio divide seu tempo com o magistério e dá aulas na Universidade de Brasília, onde foi admitido em setembro de 1982.
No início de carreira, ele trabalhou como estagiário no gabinete da 11ª Vara Cível do Estado da Guanabara. Depois de estagiar também em sindicatos e entidades de classe, Marco Aurélio passou a atuar por dois anos na área trabalhista. Em 1975, ele passou para o Ministério Público do Trabalho (1ª Região) do Rio de Janeiro, onde ficou até 1978. De lá, passou a juiz togado no Tribunal Regional do Trabalho (1ª Região) do Rio de Janeiro. Em 1981, passou a ser ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Dois dos nove anos em que esteve como ministro do TST, Marco Aurélio ocupou o cargo de Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho.
Mesmo depois de tomar posse como ministro do STF, em junho de 1990, Marco Aurélio também atuou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde ocupou a presidência no período de junho de 1996 a junho de 1997.
Pai de quatro filhos (três mulheres e um homem), Marco Aurélio é casado com a juíza de Direito do Distrito Federal, Sandra de Santis Mendes de Farias Mello.