Psiquiatra diz que o Estado promove tortura ao obrigar a gestação de anencéfalo
O médico psiquiatra Talvane Marins de Moraes, especializado em Psiquiatria Forense e medicina legal, comparou a obrigação de manter um feto inviável no útero ao sofrimento causado pela tortura. “É como se o Estado estivesse promovendo a tortura em uma mulher, que mais tarde pode apresentar um quadro grave de estresse pós-traumático que a leve, em situações extremas, à tentativa de auto-extermínio, ou suicídio”, advertiu, há pouco, na audiência pública sobre interrupção de gravidez de feto anencéfalo.
Em sua exposição, o médico diferenciou o sentimento de depressão – citado por vários palestrantes que ocuparam a tribuna antes dele – do luto. “O luto evolui para a superação, mas a depressão requer tratamento específico para ser curada”, disse. Segundo ele, as mães que decidem interromper a gravidez geralmente passam pelo luto, contudo depois sentem o alívio. “Não se trata de uma gravidez indesejada, mas da consciência de que o filho é inviável”, diferenciou.
Ele comparou a atividade cerebral de um feto anencéfalo à de uma pessoa com morte cerebral declarada: ambas nulas. “Não há ondas cerebrais no anencéfalo; não há manifestação, como na morte encefálica”, disse.Talvane Moraes apresentou exames de arteriografia cerebral – que apontam a irrigação sanguínea no cérebro de bebês normais e de anencéfalos. No último caso, o fluxo sanguíneo era inexistente.
Moraes informou que a anencefalia é a segunda malformação congênita mais comum, especialmente no Brasil, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o quarto país do mundo com maior incidência da doença. Ele defendeu que é hora de o Brasil decidir sua posição sobre aborto de anencéfalos: “Em 1994, 90% dos países desenvolvidos e 20% dos países em desenvolvimento em 1994 já permitiam a antecipação do parto de anencéfalos”, disse.
O médico, que participa do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro nos assuntos de perícia médica e medicina legal, informou que o Conselho Federal de Medicina vê o anencéfalo como um natimorto e que o Conselho Nacional de Saúde manifesta o direito à decisão da mulher quando orientada corretamente e bem diagnosticada.
O especialista refutou a interpretação de que retirar um feto anencéfalo do útero seria um crime. “É um crime impossível, porque o feto é considerado morto, e depois disso é retirado. Não é um aborto que mata, mas um aborto que salva a vida da mãe de riscos desnecessários”, declarou, lembrando que 75% dos fetos morrem dentro do útero – o que causa riscos para as gestantes.
MG/CM