Índios e produtores se encontram no STF

27/08/2008 17:20 - Atualizado há 12 meses atrás

O índio Martins Marconin, do povo Ingaricó, está em Brasília para acompanhar de perto o julgamento da Petição 3388. Dos 330 índios da comunidade, apenas ele pode vir representar o interesse do seu povo: “O dinheiro deu para comprar só uma passagem de ida e volta”, explica.

Marconin se juntou ao grupo de índios na vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal desde o início da manhã. Embora o seu nome no dialeto Ingaricó signifique ‘aquele que faz armadilhas nos rios’, na Praça dos Três Poderes Marconin é como um peixe fora d´água. Olha para os carros e constata que Brasília é muito diferente da sua terra. “Aqui só é bom se você tem dinheiro”, desabafa.

A ansiedade do índio que tem dez netos e oito filhos vivendo na reserva Raposa Serra do Sol é visível. “Eu vim aqui para ver os ministros assinarem o nome deles no documento que fala que a terra é nossa”, explica. 

A cerca de 30 metros de Marconin, na porta do STF, o outro lado da contenda. Hércules Domingos Félix, com chapéu de palha, espera na fila pela oportunidade de entrar no tribunal. Ainda encabulado com a entrevista, diz que é produtor de arroz em uma comunidade que planta cerca de 2,5 mil hectares do grão. “Eu sou pequeno, mas tem grandes produtores aqui também”, acrescenta. Ele e os amigos fretaram dois ônibus para ouvir a decisão sobre a terra de onde tiram o sustento.

Sobre a decisão do Supremo, Hércules diz que o ideal é um acordo. “Porque nós não queremos mal para os índios, com quem a gente convive há tempos, mas também não podemos ficar ‘em cima das pernas’, né?”, diz. Ele conta que sua família está há 30 anos na área reclamada. “E eu tenho título da terra”, garante.

Segundo o líder dos rizicultores Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima pelo partido Democratas (DEM), escritura em nome de produtores é uma exceção por lá. “Essa área é o berço da colonização de Roraima e nunca foi terra ocupada por índios, mas quase ninguém tem o título das terras porque o estado é ineficiente em regularizar a situação fundiária não só em Roraima, mas em todo o Brasil”, justifica.

Ele acusa movimentos políticos estrangeiros e parte do governo federal de manipularem índios para tentar roubar da população “o sonho do desenvolvimento e do progresso” e estima que uma decisão contrária aos agricultores “inviabilizará o estado e a vida das pessoas que lá moram”, mas garante: será respeitada pelos produtores da região, seja qual for.

Quartiero, no entanto, não acredita que a população de Roraima acate com facilidade uma decisão favorável à demarcação contínua das terras – que define como “desnacionalização do território”, “pisoteamento da bandeira nacional” e “afronta aos brasileiros”. O prefeito avisa: “Se seqüestrarem nossas terras seremos sem-terra, sem-município e daqui a uns dias, sem-estado”.

De acordo com ele, a população não vai aceitar “intervencionismo do Estado brasileiro para atender interesses internacionais e nós vamos resistir sempre”.

O governador de Roraima, Anchieta Junior (PSDB), diz que, independentemente da decisão que pode sair do STF hoje ou amanhã (caso não haja pedido de vista do processo), as forças de segurança estão prontas para evitar conflitos armados. “É normal no fervor dessa decisão manifestações de tumulto, mas os governos do estado e federal têm obrigação de manter a ordem e a paz, pois isso é o estado democrático de Direito”, afirmou Achieta Junior antes de entrar no Plenário onde ocorre o julgamento da Petição 3388.

Ele diz que, além de prejudicar a economia local, a reserva indígena demarcada como está hoje representa uma brecha na fronteira com a Venezuela e Guiana por causa do difícil acesso do Exército às áreas limítrofes dos três países.

O índio Marconin explica na prática: “Se a gente pede para militar entrar, ele entra. Mas se é amigo de arrozeiro criminoso, não pode entrar”, sintetiza ele, que anda a pé durante três dias quando quer visitar os parentes que ficam do lado de lá, já em terras da Venezuela.

MG/LF

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