Presidente do STF concede liminar a juízes ameaçados de indiciamento pela CPI do Sistema Carcerário
Comissão Parlamentar de Inquérigto (CPI) não tem poderes para indicar magistrados, pois o indicamento e julgamento deles compete aos respectivos Tribunais de Justiça ou Órgãos Especiais. Com este entendimento, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, concedeu liminar aos juízes da 1ª e da 2ª Varas de Execução Penal (VECs) da Comarca de Campo Grande, Francisco Gerardo de Souza e Vitor Luis de Oliveira Guibo, determinando à Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que investigou a realidade do Sistema Carcerário brasileiro (CPI do Sistema Carcerário) que se abstivesse de proceder ao indiciamento de ambos. Em função dessa decisão, o relatório acabou aprovado pela comissão sem pedir nenhum indiciamento.
A decisão foi tomada por Gilmar Mendes nos autos do Habeas Corpus (HC) 95259, impetrado pelos magistrados diante de notícias de que o relator da CPI, deputado Domingos Dutra (PT-MA), pretenderia, entre várias providências sugeridas em seu relatório, propor o indiciamento deles, por suposta infração dos artigos 132, 136 e 320 do Código Penal (CP).
Tais dispositivos prevêem penas que vão de 15 dias a quatro anos por, respectivamente, expor a vida ou a saúde de outrem a perigo iminente, maus tratos e, ainda, condescendência criminosa (deixar de responsabilizar subordinados por infrações cometidas no exercício do cargo). O relator sugeriu essas providências após membros da CPI realizarem diligências no sistema carcerário em todo o país e, nesse processo, realizarem audiência pública na Comarca de Campo Grande.
Alegações
Os juízes alegaram que a CPI não teria poder para indiciá-los, vez que o artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar (LC) nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura – Loman) reserva ao respectivo Tribunal de Justiça ou Órgão Especial a competência para investigar e julgar crime cometido por magistrado.
Alegaram, também, falta de justa causa para o possível indiciamento, pois a CPI estaria a exercer atividade tipicamente judiciária, valorando ato jurisdicional sujeito ao sistema de recursos previsto na Constituição e em legislação específica.
Afirmaram também que, embora cada um deles tenha, na respectiva VEC sob sua responsabilidade, mais de 7 mil processos, inexistiriam processos de execução penal conclusos por prazo superior a 30 dias.
Contestram, também, afirmações contidas no relatório de que não visitariam presídios e de que não teriam tomado providências sobre irregularidades lá constatadas. Por fim, sustentaram inadequação das supostas condutas que lhes são atribuídas aos tipos penais em que a CPI pretenderia indiciá-los.
Liminar
Ao conceder a liminar, o ministro Gilmar Mendes observou que, embora sejam atribuídos à CPI poderes investigatórios da autoridade judiciária, ela “se encontra sujeita a determinados limites constitucionais e legais, dentre os quais a observância do foro de prerrogativa de função que assiste aos magistrados, segundo a base dada pelo artigo 96, III, da Constituição Federal”.
Segundo esse dispositivo, compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.
Ele citou, também, o artigo 33, parágrafo único, da LC nº 35/79, que prevê, entre as prerrogativas dos juízes o de ser julgados por Tribunal de Justiça ou Órgão Especial, quando houver indício da prática de crime de parte deles.
Portanto, segundo Gilmar Mendes, “ainda que constatada pela CPI a possível prática de ilícito penal por parte de magistrado, poderá aquela, tão-somente, encaminhar os respectivos autos ao Tribunal a que vinculado o magistrado, sendo-lhe vedado o ato formal de indiciamento, o qual é privativo do órgão competente para o julgamento”.
O presidente do STF citou precedentes em que, pelos mesmos motivos, o Tribunal negou à Polícia Federal o direito de instaurar inquérito e indiciar diretamente um senador, acusado de envolvimento na “Operação Sanguessuga” (Inquérito 2411, relatado pelo próprio Gilmar Mendes).
Por fim, o ministro afirmou que “o entendimento fixado pelo Tribunal deixa claro que, na ordem constitucional fundada na Constituição de 1988, as comissões parlamentares de inquérito não têm poderes para indiciar magistrado pelo exercício de sua típica função jurisdicional”.
Citou, neste contexto, o julgamento do Mandado de Segurança (MS) 25510, relatado pela ministra Ellen Gracie, e os HCs 80539, relatado pelo ministro Maurício Corrêa (aposentado), e 79.441, relatado pelo ministro Octavio Gallotti (aposentado).
FK/EH