Marco Aurélio é o sexto ministro a votar sem restrições a favor das pesquisas
Íntegra do voto
O ministro Marco Aurélio votou, há pouco, pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 e pela total constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas para fins terapêuticos.
Com o voto dele, agora já são seis os votos a favor da lei, sem restrições, contra três votos, que querem impor-lhe limitações. Pelas pesquisas e, portanto, pela improcedência total da ADI, votaram o relator, ministro Carlos Ayres Brito, e os ministros Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Este último apenas defendeu maior controle na realização dessas pesquisas.
O ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que pediu vista do processo quando do início do seu julgamento, em março deste ano, apresentou ontem voto pela procedência parcial da ADI, posicionando-se favoravelmente às pesquisas, mas impondo restrições. Votos semelhantes, porém um pouco menos rigorosos, foram proferidos pelos ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau.
O ministro Marco Aurélio disse que o artigo 5º da Lei de Biossegurança, impugnado na ADI proposta pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, “está em harmonia com a Constituição Federal, notadamente com os artigos 1º e 5º e com o princípio da razoabilidade”. O artigo 1º estabelece, em seu inciso III, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana e o artigo 5º, caput, prevê a inviolabilidade do direito à vida.
Interpretações
O ministro Marco Aurélio iniciou seu voto advertindo para o risco de o STF assumir o papel de legislador, ao propor restrições a uma lei que, segundo ele, foi aprovada com apoio de 96% dos senadores e 85% dos deputados federais o que sinaliza a sua “razoabilidade”. Em sua visão, o artigo de uma lei ou é constitucional, ou não o é, mas não cabe ao Supremo propor-lhe complementações.
Início da vida
O ministro observou, em seu voto, que não há, quanto ao início da vida, baliza que não seja simplesmente opinativa. Lembrou que há, a respeito, várias concepções sobre embrião, feto e filho no colo da mãe. Para os filósofos da Antiguidade, por exemplo, só havia vida (alma) no feto a partir do 40º dia de gestação, quando masculino, e do 80º ao 90º dia, quando feminino.
Ele lembrou que Aristóteles concebia três estágios para o início da vida: a vegetal, que se dá na fertilização; a animal, que se dá na concepção, e a racional, que ocorre quando do nascimento com vida. Também Santo Agostinho, um dos pais da Igreja Católica, concebia, segundo o ministro, um embrio inanimatus e um embrio aninmatus, entendendo este segundo como ser humano que já adquiriu alma.
Por fim, ele citou um caso decidido na Suprema Corte dos Estados Unidos, que julgou que o feto tem direito à proteção de sua vida a partir da 28ª semana da gestação, podendo este período ser encurtado para 24 semanas. Essa decisão, observou, tornou dispensável a discussão sobre pesquisas com células-tronco embrionárias naquele país, que apenas não financia tais pesquisas com recursos públicos. Mas, nos diversos estados daquele país, a legislação difere. Tanto assim que o governo da Califórnia financia essas pesquisas.
“O início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da gravidez, da gestação humana”, afirmou Marco Aurélio. “Dizer que a Constituição protege a vida uterina já é discutível, quando se considera o aborto terapêutico ou o aborto de filho gerado com violência”, observou. E, no caso, segundo ele, a fecundação ocorreu in vitro, não no útero materno. “A possibilidade jurídica depende do nascimento com vida”, afirmou.
O ministro Marco Aurélio lembrou que a Lei de Biossegurança prevê pesquisas com células-tronco embrionárias produzidas in vitro consideradas inviáveis para a reprodução humana e, portanto descartáveis, às quais não está reservado outro destino que não o lixo.
Ele citou entrevista do ganhador do Prêmio Nobel David Baltimore, que assim se teria manifestado sobre a discussão travada no Brasil em torno do tema: “Não sei falar a respeito do aspecto jurídico, mas do ponto de vista científico. É uma discussão sem sentido, porque os embriões já foram descartados, o casal já teve os filhos que queria. O fato é que o embrião seria descartado”.
Diante disso, o ministro disse que seria muito egoísmo jogar no lixo embriões que poderiam ser usados para pesquisar a cura de diversas doenças, entre elas, por exemplo, doenças do aparelho locomotor e o Mal de Parkinson, contribuindo para a felicidade de seres humanos fisicamente limitados.
Contrapondo-se ao voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Marco Aurélio acompanhou o voto do relator, ministro Carlos Ayres Brito, no sentido de que não se pode obrigar um casal a ter um número de filhos equivalente àquele de embriões produzidos in vitro, quando o casal já tiver obtido desse processo o número de filhos que desejava.
Por fim, o ministro citou o fato de todos os principais países do mundo, exceto a Itália, permitirem pesquisas com células-tronco embrionárias, com graduações variadas. E disse que não utilizar um acervo de material de pesquisa disponível equivaleria a um gesto de egoísmo e uma grande cegueira.
Ele concluiu seu voto citando o Padre Vieira, segundo o qual a cegueira com olhos cerrados é menos grave do que a cegueira com os olhos abertos.
Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio.
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