Lewandowski: pesquisas com células-tronco devem ser realizadas, mas com limitações

28/05/2008 19:40 - Atualizado há 12 meses atrás

Durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 sobre a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), o ministro Ricardo Lewandowski julgou a ação parcialmente procedente, votando de forma favorável às pesquisas com as células-tronco. No entanto, o ministro restringiu a realização das pesquisas, conferindo aos dispositivos interpretação conforme a Constituição Federal.

Limites à manipulação dos embriões

O ministro informou que, no Brasil, a única norma que regula as técnicas de reprodução assistida in vitro é a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual busca compatibilizar o uso das técnicas com os princípios da ética médica. A norma estabelece limites para a manipulação dos embriões, como por exemplo, a fixação do prazo máximo de 14 dias para a extração das células-tronco.

“É que no início da terceira semana inicia-se o processo de gastrulação, no qual se dá formação do sistema nervoso, do coração, da placenta, do cordão umbilical e do celoma intra-embrionário, ou seja, as cavidades corpóreas”, explicou Lewandowski.

Conforme ele, um dos artigos da resolução proíbe a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana. Outro dispositivo diz que o número ideal e oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de ser manipulado material suficiente à fecundação.

“Penso, portanto, que à luz da legislação comparada, especial da Resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a reprodução assistida, que o artigo 5º, caput da Lei de Biossegurança precisa ser harmonizado com o postulado da dignidade da pessoa humana e com o direito a vida”, disse o ministro.

Qualidade de embriões

Segundo o ministro, o diagnóstico dos embriões realizado antes da implantação é um valioso instrumento para detectar a presença de anomalias genéticas ou a possibilidade de desenvolvimento de doenças graves e incuráveis, que podem comprometer o embrião durante a gestação ou mesmo após o seu nascimento. No entanto, salientou que “a metodologia suscita inúmeros questionamentos éticos e jurídicos”, pois essa prática vem sendo utilizada como meio para escolha de determinados traços genéticos, como por exemplo a escolha do sexo do bebê, a cor de sua pele, o seu coeficiente intelectual, dentre outros atributos.

“A técnica permite que sejam descartados, isto é, deixem de ser implantados no útero receptor e tenham outro destino, não apenas os embriões considerados anormais ou defeituosos, mas também aqueles tidos como indesejáveis por razões de preferência, de caráter absolutamente subjetivo, seja da equipe médica, seja dos genitores”, contou. Assim, ele chamou a atenção para a possibilidade de se estabelecer uma espécie de “controle de qualidade dos embriões incompatível com o estado democrático de direito, cujo cerne é o respeito à dignidade da pessoa humana que impede taxativamente todo tipo de discriminação”.

Critérios para o uso de embriões

“Enquanto tiverem potencial de vida ou, por outra, enquanto for possível implantá-los no útero da mãe de que provieram os oócitos fertilizados ou no ventre de mulheres inférteis para as quais possam ser doados, a destruição de embriões congelados, a meu sentir, afigura-se contrária aos valores fundantes da ordem constitucional”, ressaltou o ministro.

De acordo com ele, “quem deu azo à produção de embriões excedentes, assepticamente denominados de ‘extranumerários’, há de arcar com o ônus não só moral e jurídico, mas também econômico, quando for o caso, de preservá-los, até que se revelem inviáveis para a implantação in anima nobile”.

Consentimento livre e informado

O ministro Ricardo Lewandowski afirmou ser necessário informar aos doadores de material genético, com precisão e lealdade, o destino dos embriões, bem como as possíveis alternativas à sua destruição, inclusive a possibilidade de sua doação a casais inférteis.

“É preciso que a pessoa da qual se pretende obter o consentimento esteja ciente e consciente de todas as conseqüências éticas, jurídicas, sociais e materiais que dele decorrerão, bem como das possíveis alternativas, além de estar absolutamente livre de quaisquer constrangimentos, sejam eles físicos, morais, psicológicos ou econômicos”, disse. Ele acrescentou que também deve haver a possibilidade de o consentimento ser retirado ou reformulado a qualquer tempo, “sem nenhuma conseqüência para quem o deu”.

Comitês de ética

“Não se mostra, também, segundo penso, conveniente e nem jurídico, permitir que projetos de pesquisa e de terapia com células-tronco embrionárias humanas sejam exclusivamente aprovadas pelos comitês de ética das próprias instituições e serviços de saúde responsáveis por sua realização, a teor do que sugere o § 2º do art. 5º, aqui atacado”, ressaltou o ministro.

Lewandowski lembrou que, nos países desenvolvidos, as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas são rigorosamente controladas pelas autoridades. Segundo ele, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, estabelece, no artigo 18, alínea “c”, que é preciso “promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes”. Especificamente quanto aos comitês de ética, consigna, no artigo. 19, que estes precisam ser “independentes, multidisciplinares e pluralistas”.

Com base na experiência do direito comparado e da legislação internacional, o ministro entendeu que não é razoável, nem conveniente permitir que os próprios interessados nas pesquisas “tomem decisões nessa importante área da ciência, segundo os seus próprios desígnios, sem a fiscalização das autoridades públicas e de representantes da comunidade”.

Confira a interpretação, sem redução de texto, dada pelo ministro aos dispositivos abaixo:

1) Artigo 5º, caput – as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis.

2) Inciso I, do artigo 5º – o conceito de inviável compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a 24h, contados da fertilização dos oócitos.

3) Inciso II, do artigo 5º – as pesquisas com embriões viáveis congelados a mais de três anos são admitidas desde que não sejam destruídos, nem tenham seu potencial de desenvolvimento comprometido.

4) Parágrafo 1º, do artigo 5º –  a realização de pesquisas com células tronco embrionárias, exige o consentimento “livre e  informado dos genitores, formalmente exteriorizado”.

5) Parágrafo 2º, do artigo 5º – os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de éticas das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles  responsáveis, devem ser submetidos a prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005.

EC/LF

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