Acusado de ocultação de dinheiro oriundo de jogo do bicho obtém liminar no STF
O secretário-geral da Associação de Bingos e Similares do Estado do Rio de Janeiro e sócio da Betec Games, Júlio César Guimarães Sobreira, acusado de ocultação de R$ 508.583,00, que seriam provenientes de lucros auferidos com a exploração de jogo do bicho, máquinas caça-níquel e casas de bingo investigada na “Operação Furacão”, realizada pela Polícia Federal, obteve liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), para responder em liberdade à ação penal que lhe é movida na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
A decisão foi tomada nos autos do Habeas Corpus (HC) 94189 e estendida ao co-réu Danilo Jorge de Oliveira que, além da acusação de apresentar movimentações bancárias suspeitas, seria sócio de diversas empresas que exploravam jogos de azar. O ministro baixou contra-ordem ao mandado de prisão expedido pelo juízo de 1ª instância ou, se este já tiver sido cumprido, a formalização de alvará de soltura, a ser implementado com as cautelas próprias, isto é, caso Guimarães e Danilo Jorge não se encontrem sob custódia do Estado por motivo diverso do retratado na prisão preventiva decretada no Processo nº 2007.51.01.814402-4, na mencionada 6ª Vara Criminal.
A ordem contra ambos foi decretada com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP) que, conforme ressaltou o juízo, “impõe a prisão preventiva quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal”.
Quanto à prova da ocorrência do crime, apontou a guarda de grande soma de dinheiro em espécie, inclusive em compartimento secreto, fato que demonstraria ser plausível a assertiva de que a quantia estivesse vinculada às atividades decorrentes do exercício e condutas instrumentais destinadas a garantir a exploração de máquinas cuja importação é proibida.
O juízo considerou atendidos os pressupostos da prisão preventiva e da necessidade de resguardo da ordem pública, levando em conta o alto grau de infiltração de Guimarães – sobrinho do ex-capitão do Exército Ailton Guimarães Jorge, tido como um dos chefes do jogo do bicho no Rio – e Danilo Jorge nas instâncias oficiais de controle e repressão de ilícitos. Segundo ele, as provas até então produzidas autorizariam supor que a atividade criminosa não é um episódio isolado, mas estaria demonstrado que os acusados “sobrevivem da atividade ilegal, organizada estruturalmente e assegurada mediante a prática generalizada da corrupção de servidores públicos”. Observou, ainda, ser “inadmissível a omissão do Estado em preservar a ordem pública em situações em que se aniquila a finalidade da pena criminal”.
Defesa alega falta de fundamentação e individualização
Contra a decisão de 1ª instância, a defesa impetrou HC no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), alegando falta de fundamentação da ordem de prisão e falta de individualização dos delitos atribuídos a cada um deles. Negada a ordem, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo vice-presidente, então no exercício da presidência, ministro Francisco Peçanha Martins, concedeu a liminar requerida.
Ao fim do recesso do Judiciário, entretanto, o processo foi distribuído à ministra Laura Vaz, que mandou arquivá-lo, apoiada na Súmula 691, do STF, que veda a concessão de liminar em HC no qual relator de outro tribunal tenha, monocraticamente, negado liminar. É contra essa decisão que a defesa recorreu ao STF, no HC 94189.
Marco Aurélio: “A inércia do Estado não pode afastar valores constitucionais”
Ao conceder a liminar, o ministro Marco Aurélio afirmou que “a decretação, no processo mencionado, não subsiste, em termos de fundamento. Sinaliza a presunção da culpa dos acusados, consideradas imputações que dizem respeito a outras ações, mais precisamente à infiltração em instâncias oficiais de controle e repressão de ilícitos”. Segundo ele, “fez-se ver que se trataria de ‘acusados que há décadas e gerações sucessivas vivem da atividade ilegal”.
”É o caso de perguntar, presente a aludida projeção, no tempo, de atos a revelarem práticas delituosas: onde esteve, durante as décadas referidas, o Estado?”, observou o ministro Marco Aurélio, questionando, ainda: “Por que não houve a persecução criminal para, após a observância irrestrita e a exaustão do direito de defesa, caminhar-se para a imposição de pena restritiva de liberdade?”
Segundo o ministro, “a inércia do Estado não pode afastar valores constitucionais, potencializando-se o objetivo a ser alcançado em detrimento do meio”. Ele acentuou que “a regra é apurar-se para, estampada a culpa e fixada a pena, chegar-se à execução respectiva, perdendo o condenado o direito de ir e vir, buscando-se não só o castigo como também a ressocialização – o que, há de se convir, é algo passível de se entender, ante as condições penitenciárias brasileiras, como simplesmente formal, lírico. Os condenados acabam sujeitos a verdadeira pena de degradação, a violência que beira a barbaridade, menosprezando-se o dever de preservar a dignidade, de guardar parâmetros próprios ao ser humano”.
FK/LF
Leia mais:
Segunda-feira, 31 de Março de 2008
Novo HC de envolvido na Operação Furacão chega ao Supremo