Íntegra do discurso da ministra Ellen Gracie na abertura do Seminário de Gestão da Informação Jurídica em Espaços Digitais

12/02/2007 14:30 - Atualizado há 12 meses atrás

Leia a íntegra do discurso da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, na abertura do Seminário de Gestão da Informação Jurídica em Espaços Digitais, na manhã desta segunda-feira (12). O seminário, transmitido ao vivo pela internet, acontece no TST, até quarta-feira (14).

Senhoras, senhores,

Desde muito jovem, aprendi a fazer uso de bibliotecas. Inicialmente dos colégios onde estudei e onde o rigor das religiosas fazia censura de boa parte da literatura considerada inadequada para moças. Depois, já aí sem restrições, as ricas bibliotecas da Aliança Francesa e da Cultura Inglesa. Sem elas não me teria sido possível saciar a fome de leitura e, certamente, minha perspectiva de mundo seria mais pobre.

Por guardar essa dívida de gratidão para com as bibliotecas, entusiasmei-me com a possibilidade de reunirmos esta plêiade de especialistas que acorreram ao convite da Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal, para exporem e discutirem o que há de mais novo em matéria de repositório de acervos digitais e suas possibilidades de acesso.

Fez parte do meu aprendizado junto às bibliotecas, reconhecer que elas não são meros depósitos de livros. O que as distingue é a facilitação do acesso à informação. E isso é o resultado do trabalho persistente e dedicado daqueles que nelas trabalham: bibliotecários e bibliotecárias. São esses profissionais que tornam vivo um acervo e que constituem a verdadeira riqueza de uma biblioteca. Por isso minha homenagem a todos, que peço licença de direcionar à pessoa da Dra. Altair Maria Damiani Costa, secretária de documentação do STF, e a sua extraordinária equipe.

Além das bibliotecas de minha infância e primeira juventude e dos órgãos em que exerci minhas atividades profissionais, uma outra biblioteca marcou minha vida. A oportunidade rara de um estágio de pesquisa na Biblioteca do Congresso Norte Americano, mais especificamente em sua Law Library, dirigida pelo Dr. Rubens Medina, correspondeu a uma aceleração de aprendizado e à abertura de novas fronteiras. Ali encontrei a biblioteca em sua forma mais completa. Mais que repositório de um acervo extraordinário, aquela biblioteca é, em verdade, um grande centro de pesquisa, no qual especialistas dos mais diversos campos procedem ao tratamento da informação e fornecem subsídios precisos, primordialmente aos membros de ambas as casas do Congresso, mas, também, e amplamente à comunidade científica e acadêmica. Sempre na vanguarda, foi na LOC que tive a primeira visão de uma Biblioteca Digital, a que viria a se tornar depois na Thomas Jefferson, de cuja estante pessoal de 79 obras, originou-se o que é hoje essa imensa biblioteca.

Biblioteca, desde Alexandria, é sinônimo de conhecimento. E de conhecimento acumulado. De conhecimento que gera conhecimento. Pois bem, a humanidade tem hoje uma bagagem de conhecimento acumulado como nunca houve. Mais ainda, por força do progresso, este conhecimento tem circulação praticamente instantânea de modo que a última descoberta científica encontra-se noticiada imediatamente ao redor do mundo, como o são, decisões de relevo em qualquer jurisdição como também os fatos corriqueiros e insignificantes.

Daí o dilema com que hoje nos defrontamos. Não se trata mais de carência de informação ou  que a informação seja acessível apenas para poucos, mas, de um excesso de informação, impossível de ser metabolizada por um só indivíduo, mesmo em campos de especialidade extremamente circunscritos. E, aliado a este excesso, uma grande insegurança quanto à seriedade da fonte dessa informação. Isto é sentido de maneira muito aguda no campo da informação jurídica.

As bibliotecas digitais surgem neste contexto como o modo possível de tratamento desta massa de informação, e como alternativa confiável aos serviços “livres”, existentes na internet, em que qualquer conteúdo possa ser postado. Além da virtude de organização do conteúdo atual, de produção recente, as bibliotecas digitais cumprem também importantíssima função de preservação, aliada à democratização de acesso a documentos antes inacessíveis, dados os cuidados com que precisam ser manuseados. Qualquer estudioso pode comparecer ao sítio da Biblioteca Nacional e folhear, a seu gosto, por exemplo, o Atlas de Fernão Vaz Dourado, de 1.576, com alguns dos primeiros mapas da América do Sul, ou os Tratados da Terra e Gente do Brasil, de Fernão Cardim, de 1.540. Ou os manuscritos da poesia de rara inspiração produzida por Florbela Espanca, por Manoel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, ou tantos outros poetas. Ou outras tantas das obras raras já digitalizadas por inúmeras bibliotecas ao redor do mundo. E o leitor o faz quando melhor lhe pareça, liberto das limitações de horário de consulta e onde quer que se encontre o seu computador. Por tudo isso, não há dúvida de que as bibliotecas voltar a ter a primazia como centros preponderantes de preservação e produção da cultura que tiveram na Idade Média. A diferença é que, agora, terão formato virtual e sua potencialidade de atuarem como difusoras de idéias está incomensuravelmente ampliada.

Instiga-nos esta perspectiva. O próprio Supremo Tribunal Federal, desde já alguns anos já coloca à disposição do público através da rede mundial de computadores a íntegra de sua jurisprudência. Novos bancos foram criados a partir deste rico acervo. A Constituição dos Ministros, com o texto comentado a partir dos julgados da Casa e link ao inteiro teor das decisões é um destes serviços. Inúmeros volumes digitais foram lançados recentemente. Dentre eles o repositório de decisões relativas ao funcionamento, atribuições e limitações das Comissões Parlamentares de Inquérito, a reunião das decisões em matéria de Extradição, de Reforma Agrária, as Questões de Ordem suscitadas pelos Ministros, o índice de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, os resumos em língua estrangeira das principais decisões do Tribunal, e a recentíssima iniciativa de coletar a jurisprudência constitucional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Temos muito que aprender nestes três dias de reunião. Agradeço pelo Tribunal o engajamento de tantas instituições que nos enviam seus representantes, de nossos parceiros nesta realização, o TST que nos abriga em suas dependências, o TJDF, o IBICT e a Universidade de Brasília. Abraço afetuosamente a cada um dos palestrantes que vieram partilhar conosco o seu conhecimento. E a todos os participantes desejo um excelente proveito desta oportunidade rara de aperfeiçoamento pessoal e congraçamento em torno daquele que tem sido – de nós todos – nosso companheiro permanente e amigo constante, o livro – seja em que formato for – e no seu significado mais amplo de transcendência de nossas tão miúdas capacidade e duração individuais.

Presidente do STF, ministra Ellen Gracie, discursa na abertura do Seminário de Gestão da Informação Jurídica em Espaços Digitais. (cópia em alta resolução)

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