Da invisibilidade à inclusão: a jornada adulta no espectro autista entre servidores do STF

07/05/2025 16:33 - Atualizado há 1 semana atrás
Foto colorida em formato horizontal. Á esquerda aparece uma mulher branca de cabelos pretos e cacheado, com o braço cruzado, roupas pretas e o cordão colorido com símbolos de quebra cabeça e a direita um homem adulto jovem com cabelos pretos e terno azul, e ao lado dele um homem com cabelos grisalhos e barba, usando blusa cinza, blaser preto e calça preta Foto: Gustavo Moreno e Felipe Sampaio/STF

Desde a infância, Luciana Figueroa sentia que havia algo diferente em sua maneira de perceber o mundo. Vinda de uma família atípica, em que o comportamento divergente era a norma — sua mãe também é autista e o pai está em avaliação neuropsicológica —, os sinais do transtorno nunca pareceram anormais. “Ser atípico era comum para minha família”, explica. Mas, em sociedade, as diferenças se tornavam evidentes: as dificuldades de socialização, o esforço constante para se adaptar e o sofrimento silencioso.
 
O diagnóstico só veio anos depois, impulsionado pela recomendação de sua médica fisiatra. “Sempre escondi ou camuflei minhas dificuldades. Não é fácil sair da camuflagem social e me desnudar para mostrar vulnerabilidades”, conta. O limite chegou quando, precisando de adaptações no trabalho e enfrentando negativas, decidiu buscar uma confirmação profissional — e encontrou não apenas um diagnóstico, mas também uma nova forma de se entender.
 
Fábio Casas também descobriu o autismo na vida adulta, durante a pandemia da Covid-19. No isolamento forçado, percebeu algo inusitado: enquanto o mundo parecia em colapso, ele experimentava uma sensação de alívio e bem-estar. “Foi decisivo para que, finalmente, eu buscasse ajuda médica”, relembra.
 
Sua infância foi marcada por uma realidade dura: cresceu em um ambiente familiar disfuncional, lidando com a doença grave do pai e o sofrimento do irmão mais velho, diagnosticado com esquizofrenia. “Tínhamos incêndios mais graves para apagar”, resume. A infância difícil camuflou sinais que, mais tarde, se tornaram evidentes: aversão a contato físico, resistência a mudanças e dificuldades em laços sociais. O diagnóstico trouxe um profundo processo de ressignificação. “Foi como nascer de novo. Minhas diferenças não eram só minhas”, afirma.
 
Para Rogério Corrêa, o diagnóstico veio em um movimento duplo: enquanto investigava os comportamentos da filha, que enfrentava dificuldades sociais na escola, também passou a olhar para si. Ao realizar seu perfil neuropsicológico, a resposta que já intuía se confirmou. “Receber o diagnóstico foi algo natural para mim. Eu já sabia que meu cérebro funcionava de forma diferente”, explica. A preocupação maior veio ao confirmar o diagnóstico da filha. Desde então, a vida da família se reorganizou para priorizar a previsibilidade e reduzir estímulos, criando uma rotina mais tranquila para todos.

Superar as barreiras do cotidiano é um desafio comum entre eles. Para Luciana, lidar com uma deficiência invisível implica enfrentar obstáculos atitudinais constantes. “O maior desafio é lidar com o capacitismo”, pontua. Ela destaca que, mais do que acolhimento e empatia, é necessário o cumprimento efetivo das leis de acessibilidade e inclusão, para que pessoas neurodivergentes possam exercer sua cidadania com dignidade.
 
Fábio também sente o peso do desconhecimento social, especialmente no que se refere às formas mais sutis do espectro. “Hoje, muitos ainda reduzem o autismo à régua do funcionalismo social”, lamenta. Comentários como “você não parece autista” ou “todo mundo é um pouco autista” evidenciam o desconhecimento sobre a diversidade do espectro. Para ele, o autismo ainda é visto de maneira estereotipada e limitada.
 
No dia a dia, adaptar-se é essencial. Luciana, acostumada desde sempre a respeitar os próprios limites e os de sua família, reforça a importância de espaços de quietude e autorregulação. Fábio e sua esposa, Jordana, construíram uma rotina baseada na compreensão mútua: organizaram a casa para incluir um espaço reservado para que ele possa se recolher em momentos de sobrecarga sensorial. “Foi um investimento crucial, e não um luxo”, diz ele, sobre a necessidade de um quarto extra no lar. Rogério também apostou na previsibilidade e no planejamento como formas de tornar a vida em família mais fluida e menos estressante.
 

Foto colorida em formato horizontal. Á esquerda aparece uma mulher branca de cabelos pretos e cacheado, com o braço cruzado, roupas pretas e o cordão colorido com símbolos de quebra cabeça
Foto: Gustavo Moreno e Felipe Sampaio/STF


O apoio recebido no trabalho foi determinante para todos, ainda que com diferentes nuances. Luciana reconhece o acolhimento de colegas em sua trajetória no STF, destacando o apoio essencial das assistentes sociais Fernanda e Patrícia, bem como das servidoras Carina e Mariana, da Secretaria de Relações com a Sociedade (SRS). Ela reforça que esse suporte precisa ser institucionalizado e não pode depender apenas da boa vontade individual. “Quero que se cumpram de fato as leis, e não que dependamos de empatia ou compaixão”, afirma.
 
Fábio também se surpreendeu positivamente com a forma como foi recebido no Tribunal. Desde o primeiro contato, sentiu-se ouvido e respeitado. “Foi a primeira vez que, ao ingressar num novo local de trabalho, me perguntaram quais barreiras eu enfrentava e do que precisava”, destaca. Rogério, de maneira prática, observa que hoje sua comunicação no trabalho flui melhor justamente por entender suas próprias necessidades e buscar dialogar com os colegas de maneira clara e tranquila.
 
Cada uma dessas vivências carrega valiosas lições. Luciana lembra que “se você não vê, não significa que não existe”. Fábio reforça a importância de quebrar estigmas: “Não é frescura. Não é desvio de caráter.” Para Rogério, o maior aprendizado foi compreender a complexidade da neurodiversidade e a necessidade de um olhar mais atento para as diferenças que tantas vezes passam despercebidas.
 
As histórias de Luciana, Fábio e Rogério nos mostram que o autismo é, acima de tudo, uma expressão legítima da diversidade humana. Neste Abril Azul, suas vozes ecoam na Suprema Corte como um chamado à conscientização, à empatia e ao respeito — não como concessões, mas como direitos. E nos convidam a construir, juntos, uma sociedade em que ser diferente nunca mais seja sinônimo de estar só.

Confira a série de cards informativos “Mitos e verdades sobre o autismo”, publicados ao longo da campanha Abril Azul 2025. Clique aqui.

(Cairo Tondato//AD)

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